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Ele teve medo de morrer?

Ele gritou, com todas as suas forças, até sua garganta doer?

Ele clamou por socorro?

Clamou por misericórdia?

Sua pele estava pálida e fria. Seus olhos estavam abertos, esbugalhados, completamente parados e sem vida. A expressão vazia.

O que este homem fez para merecer a morte?

Ele pecou muito? Ou só teve o azar de cruzar com o assassino?

Apertei o botão que ligava o gravador com o indicador e suspirei, antes de começar:

— Homem. 45 anos. Estatura média. Conforme o conteúdo em seu estômago, entrou em óbito há aproximadamente quatro horas. Ele apresenta hematomas na região do pescoço, indício de enforcamento. Não são marcas de dedos. É algo como um pedaço de fio, ou um enforca gato. Encontrei uma cicatriz na lateral do abdômen. É uma cicatriz cirúrgica. A vítima pode ter tido algum problema nos rins e precisou operar. Foi feita há um tempo relativamente grande e não deve ter relação com o assassinato.

Calcei as luvas azuis e levei minhas mãos até sua boca. Abri seus lábios e analisei o interior.

— Quatro de seus dentes foram arrancados de forma bruta. Os dois incisivos centrais, o incisivo lateral direito e o canino direito. Os dentes ao redor dos que foram arrancados possuem marcas horizontais e grossas. Eles provavelmente foram forçados para também serem retirados, mas por algum motivo não foram. O objeto usado pode ter sido uma ferramenta comum, como um alicate de tamanho médio. Há sinais de luta espalhados por todo o seu corpo. Ele tentou se defender, o que me leva crer que o assassino é um homem forte.

Estiquei minha mão, a palma levantada para cima, e aguardei.

Um segundo.

Dois segundos.

Três segundos.

Encarei Robin ao meu lado, que tinha os olhos por baixo dos óculos de proteção pregados no corpo sobre a mesa. Sua expressão era de transe.

— Robin — chamei, com a voz firme.

Seu corpo estremeceu e ela me encarou. Notando que eu estava esperando que ela me entregasse o objeto, arregalou os olhos escuros, como se lembrasse o real motivo de estar ali. Se esticou até a mesa com todos os instrumentos, agarrou o bisturi e me entregou em seguida.

Lancei a ela um olhar de repreensão e ela baixou a cabeça.

— Incisão sendo feita...— eu disse.

Pressionei a ponta do bisturi contra a pele do corpo, ao final do corte que já havia feito na altura do estômago, e o arrastei em uma linha reta até o umbigo do homem.

— Separador — pedi.

A garota prontamente me entregou o instrumento e eu afastei as duas pontas. Os órgãos estavam aparentemente bem, exceto pelos rins.

— A vítima tem apenas um rim. Minha hipótese pode ter sido equivocada. Talvez, este seja o modus operandi do assassino. Sequestrar e matar pacientes que já passaram por uma Nefrectomia ou por algum outro problema, como cálculo renal. Se outros corpos sem um rim forem encontrados, o perfil dele já pode ser traçado.

Enquanto eu suturava o corpo do pobre homem, meus olhos involuntariamente se dirigiram para sua mão direita. Algo ali chamou a minha atenção. Eu sabia exatamente a diferença de uma simples sujeira embaixo da unha, e de sangue seco.

— Encontrei resquícios de sangue abaixo das unhas dos dedos indicador, médio e anelar da mão direita. Vou colher amostras e fazer os exames de reconhecimento de DNA.

D E A T H (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora