01 - A arte de incomodar os mortos

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QUATRO INVERNOS E ALGUNS MESES DEPOIS...

A cripta do meu pai passou por algumas mudanças desde que a visitei pela primeira e única vez

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A cripta do meu pai passou por algumas mudanças desde que a visitei pela primeira e única vez.

Foi pouco tempo depois de ser construída. Eu deveria ter quase oito anos, chovia bastante, o ar estava gelado, e minha boca tinha gosto de pastilha de gengibre para a garganta, ou algo do tipo.

Agora, é o retrato do esquecimento.

Aquele brilho que revestia as pilastras e o teto em dourado já não está mais aqui, dando lugar à aparência decrépita, onde teias de aranha se estendem sobre eles.
Uma espessa camada de poeira cobre o piso de mármore escuro, enquanto galhos se apossam da entrada, envoltos aos ferros cilíndricos do portão, se tornando uma coisa só.

Não é preciso olhar demais para saber que alguns milhares foram gastos para construir esse lugar, e que nem todo esse dinheiro impediu o tempo de deixá-lo inútil e inóspito.

Também está bem quieto, escuro, frio e úmido. Ouço o sopro do vento e o gotejar das paredes, mas nada além disso.

Inclusive, encharquei o meu vestido depois de sentar num limiar entre dos pilares. Eu não tinha percebido que estava molhado na hora, e espero que ninguém repare nesse detalhe agora. A última coisa que preciso é dos jornais do reino estampando a manchete "Isla Grant urinou no vestido durante a homenagem ao seu finado pai e a finada rainha Amelie".

Rosana surtaria se isso acontecesse.

Ela deve estar rodando que nem uma barata tonta a minha procura. A vi há uns trinta minutos quando ordenou que eu fosse até a cripta da rainha, para ser vista por lá dizendo "Oi, futura sogrinha morta", apenas para entreter os paparazzi, como um macaquinho de zoológico descascando uma banana.

Nem ferrando, Rosana. Eu acho que não.

Hoje pela manhã, encontrei uma caixinha da Tiffany&Co nas coisas dela e a princípio pensei que era só mais alguma joia, mas acabei descobrindo que se trata do seu esconderijo supersecreto de cigarros com essência de maçã-verde.

Enfiei em um dos bolsos do meu vestido e a trouxe comigo.

É a primeira vez que eu acendo um cigarro, tem sido uma experiência inusitada. Não só estar fumando, mas todo o processo até conseguir.

Precisei pedir emprestado o isqueiro do motorista, sem deixá-lo fazer muitas perguntas, depois tive que encontrar um lugar, e acabei lembrando da cripta do meu pai.
É perfeito já que apenas minha família tem autorização para visitar e nenhum deles se importa o suficiente para fazer isso.

A parte mais difícil foi acender. As passagens de ar são meio instáveis, então eu tive que ficar colocando a minha mão na frente, quase tostando os meus dedos.

Sobre as primeiras impressões, bom, o gosto é horroroso, nem a essência de maçã-verde é capaz de melhorar o sabor. Não tenho ideia de como minha madrasta e seus costumes tão refinados acham isso bom. Não é. E não entendo como alguém pode gostar disso de verdade.

Onde se Escondem as Causas Perdidas - 01Onde as histórias ganham vida. Descobre agora