Capítulo 1 - O concurso

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— Você acompanha a gente, maestra — afirmou José, convicto.

— Se eu tiver autorização médica, eu acompanho com todo o prazer. Mas não podemos pensar nisso como algo que vai com certeza acontecer. Vamos com calma. Eu posso levar o pedido de vocês para a Dona Marta e vamos vendo como faremos, certo?

As crianças permaneceram em silêncio, balançando a cabeça em sinal positivo, enquanto se acalmavam, ainda envolvidos com a notícia. Lentamente, Dulce conseguiu organizá-los para iniciar os exercícios de respiração e prosseguiu com a aula, sem deixar de sentir um aperto no peito.

***

Diferente de todas as vezes anteriores, Dulce saiu da aula devastada devido à euforia das crianças em relação ao concurso. Eram crianças e, portanto, agitadas. Mas o cansaço era muito mais que isso: ela deveria ser responsável pela apresentação que ocorreria no lugar em que ela mais tinha medo de ir. Não queria voltar à Capital e não podia voltar à Capital. Não depois de tudo que já tinha acontecido.

Ela caminhou até a sala dos professores com a notícia das crianças guardada, porém as poucas lembranças que martelavam sua cabeça e a dor que sentia no quadril não a deixavam pensar direito em como fazer esse pedido à diretora.

— E então, como foi o ensaio de hoje? — perguntou a diretora, que todos os dias esperava os professores na sala de reuniões. Dona Marta olhou na direção de Dulce com expectativa assim que a avistou abrindo a porta.

— Eles praticamente pegaram fogo hoje — ela respondeu, tentando sorrir enquanto mancava até a cadeira mais próxima.

— O que aconteceu? — Marta se preocupou ao ver a expressão da professora de canto.

— As crianças querem participar de um concurso de corais na Capital — respondeu sem rodeios.

— Certo... Precisamos avaliar com calma as condições. O que acha de tudo isso?

Dulce não respondeu prontamente, tentou primeiro organizar seus pensamentos para não parecer egoísta por odiar a ideia.

— Vai ser ótimo para os meninos poder mostrar para profissionais capacitados o que aprenderam — ela respondeu, sem graça.

— Mas...?

— Não tem mas, Margaret. Achei legal mesmo, uma ótima oportunidade para eles.

— Não está com cara de quem achou legal — a diretora retrucou, com as sobrancelhas erguidas.

Dulce suspirou. Margaret a conhecia muito bem para saber quando ela não estava confortável com alguma coisa e não adiantaria esconder nada. Ao mesmo tempo não estava confortável em contar toda a verdade. Teria que falar alguma coisa que a justificasse.

— Eu acho que os médicos não me deixarão acompanhar. Então seria melhor que alguém de vocês fique responsável pelo projeto, se ele realmente acontecer. Eu posso ensaiá-los sem problemas, isso não fugiria das minhas responsabilidades, mas não quero me comprometer a acompanhá-los e depois precisar deixar todos na mão.

Margaret permaneceu em silêncio alguns segundos, o que deu a impressão a Dulce de que ela estaria convencida da explicação. Por um momento, Dulce acreditou que tinha conseguido se justificar para a diretora e, quem sabe, dado a oportunidade de não deixá-los participar sem que Dulce os acompanhasse. Chegou até a respirar de uma maneira um pouco mais leve.

— Não diga bobagens! — Margaret exclamou, deixando Dulce sobressaltada. — Você vai ver que seus exames vão sair ótimos e que você vai poder ver seus meninos se apresentando. — Ela serviu um café a Dulce e sentou-se a seu lado. — Vamos organizar tudo para que eles possam ir, eu posso ir atrás de condução e figurino, se precisar. E também de explicar para os pais para que eles autorizem a viajarem com você. Gostaria até mesmo de ir junto para ter mais um acompanhante.

Uma chance para recomeçarWhere stories live. Discover now