3 - Rosarium

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Ela se aproximou sem pudor da roseira, me espantei em ver que alguém se atrevia a chegar perto da famosa Roseira Sepulcral, que matava todos aqueles que fossem sentir seu aroma pungente. Nem mesmo o ar carregava o perfume das flores e o mantinha ali, quase estático. O cheiro alcançava quase meio metro de alcance e depois disso o aroma se dissipava sem causar danos às pessoas.

A lenda era que a Roseira fora plantada ali no parque há muito tempo por uma bruxa maligna que a amaldiçoou antes de morrer. Ela dizia que a roseira jamais deixaria alguém que chegasse perto dela viver, pois assim como a julgaram por sua falta beleza os mesmos que o fizeram cairiam pela beleza das rosas que jamais seriam tocadas outra vez. Muitas histórias diziam que pessoas morriam na hora que tocassem numa das flores, não importava onde. Toque as pétalas, as folhas que dentro de alguns instantes você morre. Porém, se fosse nos espinhos seria um golpe instantâneo e muito mais doloroso. Boatos diziam que os ramos do roseiral tentavam se enroscar nas vítimas para levá-la fundo na plantação, com isso a roseira se alimentaria do sangue que regaria a terra negra e adubada onde se firmava. Ainda assim o mais letal era seu perfume tão característico.

O aroma das rosas amaldiçoadas agia de maneira imprevisível. Pessoas já morreram só de inalar seu aroma por dez segundos, outras sofreram por dias, semanas ou até meses... outras morreram na hora de provar da primeira fungada.

O que ninguém parecia ter pensado era que a aura em torno do roseiral não era a aura de uma armadilha mágica-espiritual, muito pelo contrário... era uma simples aura de glamour natural da própria planta. Glamour, em parte, era isso... uma técnica mágica de atração e repulsão, ilusão e transformação. Afinal, rosas sempre foram usadas para coisas ligadas ao amor e a jogos de sedução. Elas eram plantas aclamadas desde a antiguidade, dizem que nasceram quando o sangue dos deuses caiu sobre a terra, por isso o fato delas serem cheias de poder e energia. Assim como a menina que se aproximava saltitando era repleta de vivacidade.

A menina não se importava em dançar pelo parque parecia que vivia num mundo à parte, com certeza já entregue aos encantos da Roseira Sepulcral que a atraía cada vez mais para perto. O gosto do perigo se igualava a mel de primavera para aquela planta amaldiçoada. E se havia algo de errado nisso ela não se importava, havia sido direcionada depois da morte de Alba, a bruxa, para aquilo... ser letal.

Passo a passo, a jovem adentrou o campo de influência do perfume doce e pungente exalado pelas pétalas das rosas. Ela dançou sendo envolvida pelo aroma se entregando de bom grado ao destino funesto que a esperava e ao qual já não tinha mais como escapar. O sorriso doce estampado na face jovem e imaculada em pouco tempo iria desvanecer para uma expressão de horror e lamento ao perceber a sentença a qual foi condenada.

A mão delicada da jovem alcançou as pétalas explorando sua extensão aveludada e rubra, sentindo o prazer percorrer pelas ponta de seus dedos e se espalhando pelo corpo. Corria lentamente por todos os corpos da menina... físico, mental, emocional, espiritual... Não havia como escapar da sedução causada por aquelas rosas, elas eram mestras no jogo de encanto e charme. A garota se encantava sentindo a suave textura da flores, o cheiro que lhe entorpecia de forma lenta e gradativa, os sentidos dormentes e direcionados rumo ao êxtase da morte mascarado pela beleza e a sensação de conforto.

Algumas rosas cederam de bom grado, como parte de um plano macabro que a jovem não sabia, ao desvencilhar da roseira para adornar os cabelos da menina. O vermelho contrastava com os cabelos cor de mel, não havia dúvidas, o que tornava ainda aquela ação parte de um ato fenomenal para o que estaria por vir. Ninguém nunca havia chegado a tal ponto com aquelas flores. Aqueles que já conseguiram cortar uma rosa ou duas morreram assim que as seguraram nas mãos.

A Roseira odiava quem a tocava sem permissão e ainda mais aqueles que a feriam.

E então começou o esperado.

De repente, o sorriso da moça foi desvanecendo como um espectro que era banido de algum local. Suas feições relaxaram apenas para darem espaço para a carranca assustada de percepção do que estava acontecendo a ela. Os olhos pareciam arder e encher de lágrimas... lágrimas que sem sombra de dúvidas seriam apreciadas pelas rosas carmesim. As mãos descontroladas tremiam para se livrar, sem sucesso, da sensação de queimação e coceira por debaixo da pele. O pânico agora se ativava pelo corpo da jovem que já estava no chão tentando se afastar do alcance maldito do poder da Roseira Sepulcral, mas seu corpo não lhe respondia bem e antes que conseguisse se afastar muito, um ramo espinhento se enroscou em sua perna. O grito foi ignorado pelos que estavam no parque; mães escondiam seus filhos daquela visão, idosos continuavam a alimentar os pássaros e os demais seguiam seus caminhos ou apenas encaravam a cena impassíveis.

Subindo sobre e apertando-se mais na perna da garota o ramo da Roseira começou a puxá-la enquanto ela, a vítima, tossia seu próprio sangue. Ela gritou mais uma vez direcionando a mão para o galho que a fazia verter sangue na terra escura e com pouca grama emitindo uma rajada de chamas que fez a Roseira solta-la imediatamente e recuar seu galho. Então ela é uma bruxa?, pensei. Devia ser mais esperta... talvez seja turista. A jovem se levantou a um custo sentindo o veneno daquelas flores tão belas lhe consumir mais e mais. Corajosa, ela deu alguns passos em direção à borda de onde acabava o poder da Roseira Sepulcral, porém a força lhe faltou, as pernas bambearam e falharam levando ela ao chão num baque surdo e seco dos joelhos.

Não demorou muito para que sua visão perecesse junto dos demais sentidos. Ela foi sufocando buscando pelo ar que nunca lhe chegava, só inalando mais do aroma pernicioso das flores amaldiçoadas. As mãos nervosas arranhavam a garganta em despero para libertarem-na do ar tóxico. A garota tossiu mais uma vez estendendo a mão para que alguém a socorresse e mais uma vez foi deixada às costas da sorte. Em um último engasgo em busca de ar, ela segurou a garganta balbuciando alguma coisa antes do corpo perder a força e a vida caindo no chão... o braço estendido da menina deixava a mão fora da zona mortífera das flores.

Uma pena que a salvação veio tão tarde, refleti.

Era divertido olhar quando coisas assim aconteciam. Ninguém havia durado tanto tempo quanto ela, um verdadeiro recorde. Eu admirava os que duravam muito tempo, algumas pessoas eram resistentes e outras tinham múltiplas proteções e o trabalho de passar por isso era chato e não tinha graça, só fazia o tempo ser perdido. Como disse antes, o aroma das rosas agia de maneira imprevisível... mas não disse que não era só ele que era assim, pois o fator determinante não era algo fixo como o aroma.

Toda roseira contava.

Cada. Parte. Dela.

E eu era a parte mais importante, afinal eu era o Espírito da Roseira Sepulcral. Eu havia sido plantada para a Vida, mas por causa da velha bruxa fui sentenciada a servir à Morte. Só que Alba não previa que o espírito da Roseira também teria suas vontades próprias e que eu queria muito mais do que aquilo que ela reservou a mim.

Eu não mataria porque a condenaram a morte e porque ela me plantou.

Eu mataria apenas aqueles que transgredissem meu espaço e/ou que eram inimigos ou traidores do Amor e da Paixão. E a garota caída no chão era mais uma vítima de suas próprias ações.

Sussurros à Meia-Noite (vol. 1)حيث تعيش القصص. اكتشف الآن