Capítulo 2

690 27 1
                                    

De repente, começa a chover. A brisa deixa de fazer ondular a água, e os edifícios, o céu, as pontes e Anastasia deixam de se reflectir sobre a superfície do canal de San Martin.
Chove. Chove, e em Paris os umbrais das portas só são acolhedores para os amantes. Chove. Chove, mas Anastasia já não se importa de se molhar e ali se deixa ficar, permitindo que o céu, com magnífica ironia, a ajude a estar triste. As lágrimas e as gotas da chuva acariciam-lhe as faces para logo se perderem e desembocarem nesse rio órfão que é qualquer canal sem corrente. Chega um barco, as comportas abrem-se, algo muda, há sempre algo que muda, mas Anastasia já está cansada de que a data de cumprimento dos seus sonhos seja tão imprecisa: "um dia".
A mãe morreu poucos dias depois de ela nascer. O pai, desesperado, parece ter morrido de desgosto. Mas Anastasia cresceu sob os cuidados da tia Grace, irmã de sua mãe. E se fosse o sentimento de culpa que começou a formar-se quando soube como tinham morrido os pais, fosse o caráter autoritário da tia, o certo é que Anastasia cresceu como crescem as sombras ao entardecer: triste, calada e discreta. Vivia com a tia num palacete de fim de século, cujo portão de ferro forjado e fachada de estilo colonial faziam com que muitos passeantes se detivessem, fascinados, perante aquele quadro. Ali cresceu Anastasia, afastada de tudo até que chegou a hora de ir para a escola. Mas já era demasiado tarde, pois a tia tinha-a educado de uma forma tão invulgar que ela não consegui ser uma criança como as outras.

Diário de uma virgemOnde histórias criam vida. Descubra agora