Descendo as escadas, vejo minha mãe com Ethan conversando sobre algo que parecia ser sobre o futuro dele. Faculdade e trabalho. E ao me ver, minha mãe se retira.
— Bom... Não vou mais atrapalhar vocês. — Ela diz, colocando a cadeira no lugar.
— Sem problemas! — Ethan diz.
— Ah, e Tessa... — Ela me chama e me viro em sua direção.
— Vou arrumar seu quarto. — Ela diz.
Tento protestar. Meu quarto já está arrumado. Arrumo sempre que me levanto da cama. Não sou de deixar muitas coisas fora do lugar.
— Mas, mãe. O meu quarto não está bagun... — Digo e sou interrompida por ela.
— Shiii... Quietinha! -— Ela sussurra. E me dá uma piscadela, já subindo as escadas para o primeiro andar, novamente.
Minha mãe me coloca em cada situação...
— Bem... Por onde começamos? — Interpelo.
— Comecei a entender o assunto em casa. Estava estudando e vim só tirar algumas dúvidas com você. — Ele diz.
— Que bom. Dúvidas sobre...? — Interpelo.
— Sobre o caldo nutritivo usado para pôr no frasco. — Ele responde.
—Ah, sim! Claro! Eu vou achar a página do livro e ver algumas coisas no caderno sobre isso.
Admito. É um pouco difícil me concentrar com ele por perto. O estranho é que a partir de um determinado momento, desde quando conheci Ethan de verdade, comecei a me sentir assim.
— Aqui! — Mostro a ele sobre o assunto. — Então, vamos começar.
Tirei as dúvidas dele quanto ao que falávamos sobre a disciplina. Com paciência e explicando com máximos detalhes para que ele entendesse, fomos das 8:18 da manhã até 11:13, falando sobre toda a origem da vida e todos os testes que vários estudiosos fizeram em busca de um único objetivo: Saber de onde e como existiram os primeiros seres vivos.
— Ótimo! Acho que, agora, eu entendi tudo. — Ele diz.
— Que bom! Fico feliz em ajudar! — Afirmo, sorrindo, parecendo uma boba.
Uma mensagem chega no celular dele.
— É minha mãe. Eu tenho que ir agora. — Ele fala, já guardando o celular no bolso.
Nos levantamos e ele pegou sua mochila que estava no sofá.
Sinto meu coração bater tão forte, outra vez.
— Bom, eu espero que tenha aproveitado bastante a ajuda. — Falo e ele vem ao meu encontro, segurando as alças da mochila, já em suas costas.
— Sabe, você explica muito bem! — Ele diz, olhando para mim. Os lhos dele são tão azuis como o céu. A camisa moletom cinza com mangas longas, dá a ele mais destaque. O jeans rasgado e o par de tênis branco da All Stars, mostram que ele entende de cores.
— Quer sair comigo? — Ele pergunta e eu pareço travar ao respondê-lo.
Olho para casa e vejo minha mãe na janela.
— Vai! Aceita! Aceita! — Eu posso ler seus lábios, enquanto ela articula com as mãos, depressa.
Volto minha atenção para Ethan.
— A... Amanhã? — Indago-o.
— Sim. — Ele diz. — Mas, se não puder, eu entendo perfeitamente!
— Sim, sim! Claro! Mas, aonde iremos? — Pergunto.
— Quer ir na festa do Wesley? — Ele interpela.
Não gosto muito de festas. Na verdade, as festas na casa dele duram um final de semana inteiro.
— Eu não sei se as festas na casa dele são... agradáveis. — Digo.
— Por quê? Todos vão para lá. E estão dizendo que será uma grande festa. — Ele diz.
— Eu não gosto muito de festas. Eu não fui na última que ele me convidou. -— Sou direta. Sei que não é bom. Ou é?
— Entendo. Eu também não. Mesmo que eu tente, não consigo ser um bom frequentador desses lugares. — Ele diz. Ainda bem que nisso, concordamos.
— Podemos ir para outro lugar. — Digo.
— Para onde? — Ele interpela.
— Há um parque de diversões não muito longe daqui. — Vejo ele sorrir quando digo isso.
Ele mantém uma postura reta e, por apenas 3 segundos, pelos meus cálculos, vejo que ele fita meus olhos. A sensação é confortável. Porque a harmonia em seu olhar é tão aparente, similar a um anjo.
Por isso, acho tão bom admirá-lo. Porque de perto, parece que há um encanto que o envolve como uma áurea ao seu redor. Como um ímã, que atrai para si apenas coisas boas que podemos sentir em alguém.
— Podemos ir, se quiser. — Digo.
Logo então, ele me confessa algo.
— Eu nunca fui em um parque de diversões na minha vida. — Ele diz.
— Está brincando? Sério? Seus pais nunca o levaram? — Interpelo.
— Na verdade, sempre que eles tentavam sair, haviam gritos e mais gritos. — Eu sabia o que ele queria dizer.
— Seus pais brigavam muito? — Questiono.
Ele apenas assentiu. Vejo seu semblante entristecer.
— E o pior é que era sempre por minha causa. — Uma lágrima cai e não tenho outra opção. Me aproximo dele. Mas, antes que eu pudesse tocá-lo, ele se afasta. Fico um pouco constrangida em pensar que estaríamos tão próximos.
— Então... — Volto a falar. — Podemos mudar isso. Você quer isso?
— Não. — Ele responde, um tanto seco.
— Mas, não era isso que você queria? Sair um pouco e ir ao parque? Desta vez, comigo nada vai acontecer. — Digo.
— Acho melhor eu ir para casa.
Ele segue, andado para longe.
Que besteira eu fui dizer! Meu Deus!
— Ethan! Espera! — Exclamo.
Ele pára, ainda de costa, e sem olhar para mim.
— Talvez eu tenha sido um pouco invasiva. Me desculpe. Se quiser, eu não toco mais nesse assunto.
-— Você não foi invasiva. — Ele responde e se vira para mim. — Você só não sabia dessa parte da minha vida. Desculpe-me por não contar e fazer você sentir-se mal com isso.
O clima do dia estava ensolarado. O sol escaldante queimava minha pele no horário de pico. Isso estava a me incomodar bastante. Dane-se! Prefiro me tornar uma batata frita do que perder a amizade dele.
— Aceita ir comigo ao parque amanhã? -— Pergunto, achando que ele dirá mais um "não" para mim.
— Sim.. Mas, há um problema. — Ele respondeu.
— Qual? — Indago-o.
— Minha mãe não me deixa sair à noite, nos Domingos. Porque ela sai com meu pai. Eles costumam me deixarem em casa, vigiando até que cheguem. — Afirmou ele.
— Bom, eu tenho uma ideia. — Sugiro. — Fuja. Mas, espere eles irem embora. Logo, você sai.
— Eu tenho vizinhos fofoqueiros. Não é tão simples! Sou a Rapunzel, versão masculina e sem cabelos compridos. — Ele diz, dando uma risada no final.
— Tem alguma escada móvel? — Pergunto.
— Tenho. Mas, está na garagem. — Ele afirma.
— Então, fuja pela janela. — Digo.
— Eles saem às 17:00 horas. Então, esse nosso plano haverá de ser bem cedo. — Ele diz.
— Certo. — Digo.
— Te vejo às 5:00 da tarde? — Ele pergunta.
— Perto da árvore no seu quintal? — Pergunto.
— Perto da árvore do meu quintal. — Afirmou ele.
Ele estende a mão e eu a aperto, em sinal de acordo.
— Então, está marcado! — Exclamo.
Sorrimos um para o outro. Isso me deixa sem graça. Eu sinto as maçãs do rosto vermelhas. Eu sinto.
Estendo minha mão para ele, na esperança de que ele não me deixe no vácuo e cumprimente-me de volta.
— Quer uma carona? -— Digo ainda com nossas mãos unidas.
— Seria uma gentileza de sua parte, Senhorita Haylley! — Disse ele, com tom de cavalheirismo.
— Ah, pára! — Digo, rindo.
É divertido andar de bicicleta com Ethan. De novo, ele abre os braços e sente o vento tocando em seus rosto. Vejo que ele olha para cima, em direção as sequoias. As folhas tão viçosas pareciam dançar ao vento. Muitas delas, caíam sobre nós como confete. É algo divertido. A velocidade que percorríamos fazia Ethan se encher de emoções. Coisas que são comuns para nós, nem sempre são comum para os outros. Basta ver sua interação com tudo isso. Ele não tinha ninguém que pudesse mostrar o mundo a ele. E ninguém com quem compartilhar o seu mundo.
Observamos o céu azul e as nuvens brancas que nos acompanhavam junto com o sol que insistia em queimar minha pele. Sim, eu ainda estou incomodada com isso. Mas, eu não ligo. Ethan veio ao mundo para me ensinar mais sobre as diferenças. Mas, ao mesmo tempo, sobre igualdade.
Todos somos diferentes. Se fossemos iguais, o mundo se tornaria chato. Tudo tão comum. A moda seria tão sem graça e nada faria sentido. Não há evolução sem mudança. Assim, como não há mudança sem evolução. E estou aprendendo muito com tudo isso.
Entreguei Ethan em sua casa.
A mãe dele, Elena, por sua vez, tratou de repreendê-lo.
— Eu disse que o queria às 11:00 horas aqui! Não às 11:40. Você é um garoto extremamente desobediente! Por isso que não tem amigos.
Vejo ela dizer isso e algo dentro de mim sai como uma bola de fogo.
— Está enganada, Senhora! Ele tem, sim, amigos. Eu sou uma deles. E aprenda a tratá-lo melhor! Não sabe o filho incrível que tem! — Dou de ombros e sigo pedalando na bicicleta. Deixando Elena com raiva e Ethan rindo.
Isso foi mais forte que eu! Não gosto de ver injustiças. Nem ninguém sendo menosprezando ou sendo tratado de maneira injusta. Meu sangue ferve e sinto uma tremenda vontade de voltar lá e falar mais. Sei que Ethan é muito mais do que só um garoto com autismo. É a melhor pessoa que conheci em minha vida. Talvez, o que ele tem só o tornou cada vez mais especial. Falo no melhor dos sentidos.
Encontro Kristen e Amber no caminho para casa. Kristen é cadeirante e Amber, sua melhor amiga. Eu ajudei Kris quando a defendi contra o preconceito sofrido na época em que ela entrou na escola. Entrei até em luta corporal contra Mike. Ele, a pedido de Juliet, teria derrubado Kris da cadeira de rodas "sem a intenção" de fazer isso. Por "acidente". Mas, todos sabemos que não foi isso. Acabei acertando o nariz de Mike, que o levou até a enfermaria da escola. Isso foi no primeiro ano. Depois, acertei as contas com Juliet. Contei aos pais dela do que estava acontecendo. Bem, eu e algumas testemunhas que se diziam "amigas" dela e viram que, o que ela fez, não foi nada legal.
Até hoje, Juliet e Mandy possuem um ódio mortal de mim. Outros, já me admiram por ser quem sou: Parecida com Merida. A valente.
— Ei! — Grito.
—- Ei, Tessa! Como está? — Kristen me cumprimenta.
— Vou bem. E vocês? Como estão? — Interpelo, gentilmente.
— Estamos bem. A mãe da Kristen marcou uma consulta com o doutor Nathan, hoje. Parece que a fisioterapia está surtindo o efeito esperado. Ela tem que estar forte para quando chegar o dia do transplante. — Amber diz.
— E como será? — Pergunto.
— Bom, vamos hoje para o consultório e saberemos mais como será executada. Ela ainda está na lista de espera por um pulmão saudável. — Amber afirma.
— Entendo. Torço para que seja contemplada, o mais rápido possível, com esse novo órgão!
— Obrigada! E quero vê-la mais vezes, Tessa! Faz um tempo que não conversamos. — Kristen diz para mim, com um sorriso amigável.
— Farei o possível para visitá-la! — Digo.
Dou um abraço em Kristen, me despeço das mesmas e sigo para casa.
No caminho, vejo Tyler, outra vez. Acho que ganhei um Stalker e não sabia!
— Espera, espera, espera... Calma, Tessa! Aonde vai com tanta pressa? — Ele questiona, segurando o guidão d bicicleta. Parece ser sarcástico, intimidador e irônico ao mesmo tempo. Como pode ser tudo de ruim em uma só pessoa?
— Estou indo para casa. Se não se importa... — Dou de ombros e tento tirar a bicicleta do seu alcance. Tyler me impede, ficando na minha frente.
Ele está vestido com uma calça moletom azul escura e uma regata branca. Os tênis eram esportivos. Parecia ter saído de uma revista masculina de moda.
— Relaxa. Eu não quero ser mau com você. Quer dizer, não dessa vez! — Ele exclama, rindo.
Respiro fundo. Lá vamos nós!
— Está bem. Diga o que você quer, Tyler? Eu preciso ir embora! — Pergunto, um pouco impaciente.
— Ah, só quero que você vá na nossa festa. Pode ser? Você e o Ethan? — Ele pergunta.
Odeio quando ele me questiona algo e continua sorrindo. Parece debochar!
— Eu vou pensar, Tyler. — Digo e tento retirar a bicicleta.
— Ah, e se for possível, vem com essa mesma roupa. — Ele diz me olhando de uma forma estranha.
— Sai fora! — Dou um empurrão nele, e o mesmo vai ao chão. — Babaca!
Retiro a bicicleta e saio pedalando, um tanto irritando.
Eu estava de short jeans e um cropped branco. Não gosto de me exibir. Não sou parecida com a Mandy, em nenhum aspecto. Apenas, gosto de usar as roupas que me convém.
E acho Tyler asqueroso! Se vissem o jeito horrível como ele trata as garotas...
E o pior é aquele vídeo que vazou na escola toda. Ele e Kelly fazendo coisas inapropriadas no parque de diversões fechado. Coisa horrorosa! Ele é tão baixo e joga sujo. Os pais dele nem sabem o que ele já fez naquelas festas repugnantes que ocorriam na casa, à noite, quando eles não estavam. Tyler James é extremamente patético! Existem milhões e milhões de Tyler James no mundo. Mas, em comparação a esse, todos perdem! Tyler ganha de todos, no quesito babaquice.
Ao que parece, meu estresse está à mil. A bicicleta? Larguei no chão. Subi para o quarto e fiquei socando um Punch ball. Uma espécie de Timbó, que tenho pendurado no quarto.
Começo a socá-lo, imagino ser Tyler no lugar do objeto. Faço várias repetições de socos até que me canso de tanta raiva. Deito na cama, ainda com o corpo suado e o coração dando saltos em meu peito. Tento respirar fundo e controlar a raiva e toda aquela agitação.
A minha raiva parece passar, à medida que penso em Ethan. Incrível como o poder que ele exerce em mim é maior do que eu imaginava. Estou a pensar sobre o Domingo. Mas, sou interrompida por minha mãe.
— Que cara é essa? E como chegou aqui sem me avisar? — Duas perguntas dela em uma só frase.
— Cansada, mãe. Só estou cansada. — Digo, tentando despistar. Nunca falei nada a respeito de Tyler e as provocações que acontecem desde que nos conhecemos. Mas, ela sempre soube.
— Veio pedalando assim por causa de Tyler? — Ela questiona.
— Não, mãe. Só quis vir mais depressa. Só foi isso! — Exclamo, tentando esconder o real motivo. Parecia que eu tinha tomado testosterona. Meu batimento estavam tão acelerados que sinto o coração querer sair pela boca.
— Querida... Está tudo bem? Você está com a temperatura corporal extremamente baixa! — Ela diz, pegando na minha mão e logo em seguida, encostando o dorso da mão esquerda no meu pescoço.
— Não precisa se preocupar, mãe! Eu vou ficar bem! — Eu digo e eu dou um beijo em seu rosto.
— Não pense que me engana! Vou fazer algo para você comer. Vem! — Ela diz, tão preocupada. Eu sou sua única filha. O que seria dela sem mim? E o que seria de mim sem ela?

The World Has Colors [DREAME]Where stories live. Discover now