Capítulo 4 - Rodrigo Freitas - 13 anos antes

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Num dia normal, acordei as 5 da manhã, como de costume. O frio da rotina me levantava toda manhã, me lembrando que os 40 anos vividos mais tinham de especiais na sua normalidade do que em fatos e acontecimentos exteriores importantes. Perdão, minto. Há exatos três anos meu irmão mais velho sofreu um acidente e ficou paraplégico. Problemas relacionados a sua nova forma de viver e de se ver no mundo também viraram minha rotina. Assunto para outra hora.

Não acredito numa total naturalidade das coisas. Quando acordo, sinto-me escravo do movimento. A rotina fisiológica do banheiro pós cama, me lembra do fardo da mente acordada. Logo passo água no rosto e a escova nos dentes. Café quente com o mínimo de bolachas possível. Meia hora depois me encontro na praça ao lado do meu prédio, correndo em círculos acompanhado por babás e cachorros geneticamente modificados em seu tédio.

A praça, nada mais é do que uma âncora pro meu navio que navega, mas não chega a porto nenhum. Que atravessa sóis que nascem todos os dias e nunca se apagam. Corto alguns matos perto dos aparelhos de ginástica, cuido de algumas plantas e pra senhora que passeia com seu gato ( o único que já vi passear as 5 e meia da manhã com tamanha disposição e obediência, geralmente característica antagônica a felinos.) mando um pseudo-simpático e contraditório bom dia.

Bom dia, que como ato, aliás, já veio a fazer parte de reflexões antigas minhas. Meu apreço (ou falta dele) pelas manhãs já me mostrou o porquê da necessidade pública social dos bons dias. É como se eles desconsiderassem a caoticidade dentro de cada um e trouxessem de volta o mecanismo de espelho, que repete, sente e se faz sentir nas coisas banais e de duas palavras. Hoje entendo o porque dos velhos varrerem as ruas e suas calçadas às 6 da manhã, e porque os seus bons dias são tão afetuosos e dependentes de aprovação alheia ao mesmo tempo.

Se não fosse a senhora do gato -que aliás nunca procurei saber o nome mesmo morando já a 5 anos na vizinhança- talvez minhas reflexões sobre os bons dias fossem curtas e secas. Talvez eu nem teria o zelo auto conquistado pela praça, seus matinhos e cachorros mutantes. Talvez nem meus queridos alunos impunes automaticamente por serem a última geração sem internet, acreditariam em tamanhos sofismos e solipsismos baratos printados dos mais chorumosos cantos virtuais da produção de conteúdo online.

Pelo visto já acordei inspirado nessa manhã. Sorrisos alunos e velhos com seus bom dias merecem reflexão. É sempre mais fácil e melhor pensar no seu exterior quando o interior já começa a mostrar sinais de conturbação. Tenho uma família linda e perfeita, mas isso parece que não se mostra suficiente a vida do homem. Será? Será que sou só eu ou todo homem se sente sozinho mesmo ao lado daqueles que ama? Tantas dúvidas e cascas construídas, não sei como consegui ser quem sou hoje.

Como são traiçoeiras as manhãs. Volto pra casa e preparo café para minha mulher que acorda sempre entre as 6:45 e ás 6:55 nunca um minuto a mais ou a menos. Invejo-a com essa capacidade. Padronizar o corpo e o relógio mental para descansos efetivos e pragmáticos. Acordar livre de solipsismos juvenis e bons dias geriátricos. Também professora, somos irmãos de profissão. Eu, perdido no Direito e nas meias-verdades contadas nas regras feitas pelos homens, ela, na fisíco-quimica e na supostas verdades que as réguas e os átomos representam. Nossas formas de funcionamento são quase parecidas, máquinas diferentes que não enferrujam por causa do mesmo óleo.

Seu trabalho na Universidade consiste mais no acompanhamento e na elaboração de experimentos entre seus orientandos do que propriamente as aulas em si. A sala de aula pra ela, assim como pra mim, sempre foi uma incógnita sendo o próprio ato de ensinar excitado por esse fator desconhecido sempre presente. Como ensinar, como conhecer, como inspirar, quando tantas espécies, de artrópodes a mamíferos aquáticos são presas dentro do mesmo curral. Bois e provas no final do corredor do abatedouro em que a média de peso da sua carne deve valer 60 pontos.

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⏰ Ultimo aggiornamento: Jul 08, 2019 ⏰

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