Capítulo 3 - Clarisse e a descoberta

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Voltando para casa tive a ideia de visitar minha mãe. Após tantas reflexões sobre o passado, tenho vontade de conversar um pouco com ela, de me sentir filha dentro do papel integral que ela cumpriu por muito tempo. Ao chegar em sua casa, percebo que ela não se encontra. Raramente minha mãe sai de casa, penso onde ela poderia ter ido. Talvez no supermercado fazer compras. Talvez ela saiu para passear com seu gato gordo contra a vontade do bichano. Talvez dentro de sua reclusão doméstica ela decidiu visitar alguma amiga de anos atrás.

Decido entrar na casa com a chave reserva que carrego na bolsa. Quando entro, com uma sensação que não sentia a anos (sensação de molecagem, de quem está prestes a fazer bagunça) resolvo vasculhar o quarto e as coisas da minha mãe. Já que vou começar a investigar o paradeiro do meu pai, não há lugar melhor do que minha própria casa. A sensação que tenho é de conseguirei pelo menos alguma coisa para começar a investigar.

Ao entrar no quarto de minha mãe tenho uma estranha sensação. O sentimento de criança prestes a fazer algum tipo de bagunça some e sou tomada por tipo de luto. Seu quarto escuro me lembra o quão triste minha mãe vem vivendo nesses últimos anos e eu nada venho fazendo para ajuda-lá. Abro o guarda roupa e me enfio em algumas roupas suas na tentativa de encontrar algo no meio. Tantas roupas e tantos formatos, guardadas anos sem nenhuma utilidade. Nem eu mesmo sei o que estou procurando. Quando percebo isso me bate um desespero. O clima de luto aumenta e não consigo focar mais minha atenção nas minhas ações. Procuro aleatoriamente pelo quarto algo de diferente, algo que poderia ser escondido, algo de proibido conhecimento. Procuro dentro da caixas embaixo da cama, procuro dentro de suas bolsas e malas guardadas em cima do guarda roupa e nada encontro. Abro caixas guardadas com livros e artigos escritos nos seus tempos de ouro de professora e também não me deparo com nada de anormal. Prestes a sair e abandonar a missão de bisbilhotar o passado de minha mãe decido abrir o lugar mais improvável de se esconder algo, seu criado mudo, logo ao lado da cama. Começo pela última gaveta e só encontro algumas jóias guardadas em caixinhas separada e relógios nunca antes usados.

Passa para a gaveta de cima e também não encontro nada de anormal. Alguns documentos, umas moedas antiga e uma foto de sua mãe, minha avó. Abaixo de todas essas coisas vejo uma folha de papel amassada e já amarelada. Meu coração dispara. Sei que pode não ser nada, mas o simples fato de encontrar algo antigo já gela o meu coração e petrifica meu corpo. Retiro o pedaço de papel com cuidado. Pelo visto ele foi dobrado a muito tempo atrás e colado em suas duas folhas em nas pontas superiores.

Quando fecho a gaveta, escuto minha mãe voltando. Meu coração que estava frio do achado rapidamente esquenta e dispara. Saio do quarto rapidamente tentando não mostrar a impressão do que estava fazendo. Penso em ir pra cozinha rapidamente na intenção de mostrar que estava lá comendo ou procurando alguma coisa pra comer. Ao chegar minha mãe me cumprimenta num abraço meio frio. Mesmo não sabendo de nada sinto que ela percebeu, ou pelo menos teme que eu ache esse pedaço de papel. Minha ansiedade para le-lo só aumenta. Apesar do turbilhao de coisas sendo sentidas e pensadas ajo friamente e não demostro nenhuma reação adversa do normal.

Convido minha mãe para tomar um café e para uma conversa rápida sobre a vida e as coisas normais da rotina. Sinto em suas palavras um receio além do normal. Minha mãe mesmo nesses últimos anos sempre foi muito segura de si, sempre demonstrou confiança nas coisas que fazia e falava. Hoje, diferentemente de seu hábito e perfil, vejo nela medo. Medo em suas palavras, mesmo que sobre significados irrelevantes, medo em seus olhos.

Após conversarmos brevemente, pergunto aonde ela se encontrava. Sem motivos para esconder de mim seu itinerário ela me disse que saiu para fazer algumas compras de supermercado e aproveito a volta para visitar uma velha amiga que estava na cidade e ela não a via desde a época do doutorado. Me disse que o papo entre as duas foi bom e produtivo e que ambas continuavam mulheres fortes e cultas e que isso nada tiraria delas, nem o tempo, nem nenhuma adversidade.

Coversamos um pouco sobre essa amiga, me retiro para ir ao banheiro. A curiosidade e minha ansiedade para ler esse papel dobrado em meu bolso é tanto que não aguento. Acabo por escolher o banheiro do quarto de minha mãe, assim fica mais fácil devolver o papel que acabei de roubar momentaneamente.

Ao sairmos da cozinha, minha mãe vai pra sala e liga a televisão. Melhora pra mim, assim não corro o risco de ser pega devolvendo o papel ou dela escutar o barulho da gaveta abrindo e fechando.

Entro no banheiro e sem pestanejar abro o papel. O que leio me deixa em choque. Como minha mãe pode ter escondido isso de mim por tantos anos? Como ela conseguiu ser tão dura e tão seca? Começo a ler e meus olhos enchem de lágrimas. Fico desesperada em sair do banheiro como entrei, sem deixar pistas de minha emoção ou do meu achado. Leio o papel o mais rápido que consigo, limpo meus olhos e lavo meu rosto. Saio do banheiro observando minha mãe, aparentemente ela ainda continua na sala, imóvel, perdida em seus pensamentos. Devolvo o papel a gaveta e saio do quarto. Me despeço de minha mãe e sigo meu caminho para casa. 

O Perigo das manhãsWhere stories live. Discover now