Capítulo um: Me conheça.

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Julgava o oceano por ser desconhecido e me trazer medo, mas estava errada sobre ele. O oceano me salvou. Estava ensanguentada da cabeça aos pés, com cortes em algumas partes do corpo, mas ainda assim ele me salvou.

Hoje, pela manhã, o dia estava nublado, o que me trouxe desanimo já que esperei por esse dia por três anos, mesmo assim fiz minhas malas e fiquei no aguardo do ônibus de viagem. No entanto, agora pela tarde, estava com uma aparência melhor, mais viva, o sol brilhava lá em cima e as nuvens faziam algumas sombras aqui em baixo, o que ajudava com o calor desse verão. Minhas amigas, Emily e Camila desceram do ônibus assim que ele parou para comprar água e algumas frutas porque faltavam algumas horas até que chegássemos ao cais para pegar os barcos e chegar, finalmente, na Ilha da Família Plaza. Escolhemos esse resort para passar as férias por ser bem conhecido dentre as outras opções. Outras razões para a escolha, foram devidos às festas, as praias e as piscinas naturais, que chamaram minha atenção. Óbvio que, por ser um lugar tão maravilhoso, o preço seria alto. Minha turma e eu conseguimos alguns empregos e fazíamos de tudo para ter dinheiro o suficiente. Cuidamos de idoso, bebês e alguns cães por longos meses. Chegamos a trabalhar em postos de gasolina e até lanchonetes. Se caso alguém não conseguisse uma certa quantia de dinheiro até a data do pagamento da agência de viagem, ajudávamos com a quantidade que faltava. Hoje, graças a todo o nosso esforço e dedicação, chegou o grande dia com tudo pago e resolvido. Todos poderão ter o verão dos sonhos.

Meu nome é Kenaly Mot, sou uma jovem de dezesseis anos e moro na cidade de Porto Alegre — RS. Tenho a pele negra, meus olhos são castanho-claros, bem puxado para um verde, e meus cabelos, que não são fáceis de serem cuidados, são cacheados. Tive alguns problemas quando era mais nova, as crianças me zombavam por conta da minha pele, brincavam de me machucar, mas hoje, muitas pessoas têm consciência de que isso se chama racismo e é crime comete-lo. Por causa delas, desejei alisar o meu cabelo para ser parecido com das minhas amigas, já que ridicularizavam disso também. Com sorte, minha mãe me ensinou que devo me amar a cada dia que passasse. Me ensinou que não seria possível amar outra pessoa sem me apreciar e aceitar quem sou, carrego esse aprendizado em minha mente e meu coração, sempre.

Já sofri com o racismo e a homofobia minha vida toda, rezo sempre para que isso pare, que me dê uma trégua, mas sempre que acontece aguento e resisto, meu peito é frágil quando estou distraída e não espero por receber ódio dos outros, só que ainda assim, reconheço que ele é forte por aguentar tanto, tento ao máximo passar os meus conhecimentos para as pessoas para que não sejam preconceituosas, porque pela história, o erro da escravidão nunca esteve no negro e que não tenham nenhum tipo de preconceito contra uma pessoa por ser quem ela é. Sou uma mulher negra, feminista e bissexual e estou destinada ser gentil e educada com todos, estou farta do ódio que o mundo semeia, meu maior desejo é terminar o ensino médio e cursar a faculdade dos meus sonhos.

Da janela do ônibus, vejo minhas amigas com o restante da turma e dos funcionários da escola perto da porta do posto de gasolina apreciando as garrafas de água que compraram. Tenho vontade de ir até eles, mas prefiro ficar no ar frio dentro do veículo, pois, certamente desmaiaria nesse calor por causa do meu problema de pressão. Aceno para às duas, mas estão ocupadas conversando com a equipe de futebol. Me esforço tanto para mantê-las longe desses animais de chuteiras. Toda vez que tento explicar para eles que mulheres não querem estar acima de homem algum apenas estar ao seu lado, mas os abestados pensam que para tenho que ser obrigada a saber jogar futebol ou fazer um trabalho de alguém com a musculatura diferente da minha para estar à sua altura. Não que fosse impossível porque sei que sou capaz, mas esse não é o caso e então desisto de tentar ajuda-los de ver o lado certo da coisa, aliás, não posso fazer muito por quem persiste em se manter ignorante. Noto que suas expressões mudaram assim que se aproximaram deles e, certamente, algum deles já deve ter dito alguma asneira que não as agradou. Ótimo.

Tenho Um Segredo: Sou Eu!Where stories live. Discover now