CAPÍTULO 3

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** Capítulo sem correção ortográfica **

Cora
O mundo para por alguns instantes enquanto observo a mancha no peito do meu pai. Não consigo me mover até que ele dá um passo em minha direção e me obrigo a fazer o mesmo.
— Meu Deus o que houve? — grito enquanto desço as escadas correndo a seu encontro. — O senhor está machucado? — apalpo seu peito em busca de algum ferimento, há manchas em seu rosto e suas mãos e sinto minhas pernas amolecerem a medida que noto o seu estado. — Pai o senhor está bem?
— Cora... — ele me chama ofegante como se tivesse corrido uma maratona, sem responder as minhas perguntas. — O rapaz... — ele aponta para a caminhonete e demoro um pouco para entender as suas palavras. — O rapaz... — desvio os meus olhos para onde ele está apontando ainda sem entender. — Venha me ajude aqui.
Sigo meu pai até a parte de trás da velha caminhonete, estou tremendo e confusa, meu pai está coberto de terra e sangue e me pergunto se ele entrou em alguma briga ou algo assim. Quando paro ao lado dele encontro um homem jogado de um jeito estranho dentro da caçamba.
— O que é isso pai? — pergunto, mas ele não me responde, ao invés disso ele volta para a direção enquanto me manda acompanha-lo.
— O senhor brigou? — pergunto enquanto entro no carro sem compreender o que está acontecendo, ele nega com a cabeça enquanto dirige mais alguns metros até o antigo armazém da fazenda onde ele guarda suas sementes, equipamentos, o antigo trator e a caminhonete.
— Porque tem um homem na sua caminhonete? — pergunto enquanto olho pela janela o corpo imóvel e machucado dele. — Foi o senhor quem fez isso nesse homem? — pergunto mesmo sem acreditar, em toda a minha vida nunca vi meu pai levantar a voz nem mesmo para Bob quando ele comia suas botas o que dirá chegar as vias de fato com alguém que poderia ser seu filho.
— Eu estava dirigindo devagar, eu sempre dirijo devagar, mas ele se jogou na frente do carro e... — sua voz está trêmula e nervosa. — Eu não podia deixa-lo lá.
— O senhor atropelou este homem? — volto a olhar para o rapaz enquanto meu pai desce e corre para abrir as portas do armazém, sem pensar vou para o volante e levo a caminhonete até o interior enquanto meu pai acende as luzes.
Desço e vou para a parte de trás onde agora consigo ver melhor o homem.
— Santo Deus do céu! Pai esse homem precisa ir a um hospital, olhe para isso. — aponto para o rosto quase desfigurado do indivíduo, há bolhas em todos os cantos, seus lábios estão inchados e rachados, seus olhos arroxeados, suas mãos esfoladas e repletas de sangue seco, seus pés estão em uma situação ainda pior, a sola está em carne viva como se ele houvesse caminhado em cima de brasas, cortes e mais sangue estão por toda a parte e isso é apenas o que consigo ver já que ele usa uma camisa de mangas longas e calça.
— Rápido Cora, me ajude e pare de tagarelar. — ele exige subindo na caçamba e me ordena que puxe as pernas do homem para fora.
— Não podemos fazer isso, vamos leva-lo ao hospital, esse homem precisa de um médico. — insisto, mas meu pai parece não me ouvir.
— Estou olhando para uma nesse exato momento. — ele resmunga enquanto envolve seus braços por baixo das axilas do homem.
— Eu não sou médica pai, sou veterinária e pelo que posso ver aqui, isso não se parece com um animal.
— Vai ter que servir, agora me ajude logo a tira-lo daqui.
Sem outra alternativa acabo ajudando meu pai a retirar o corpo enorme e quase morto de cima de sua caminhonete, arrastamos o pobre homem por todo o armazém até um sofá velho e rasgado que existe desde que o mundo foi criado.
— Ele vai pegar uma infecção aqui. — alerto enquanto ajusto as pernas longas em cima do sofá sujo, estreito e desconfortável.
— Ele não vai pegar nada. — meu pai resmunga como um velho ranzinza e teimoso, mas posso notar em seus olhos que ele está apavorado.
— Pai. — seguro seus ombros e o obrigo a olhar para mim. — O que houve com esse homem?
— Eu não sei, mas não podia deixar esse pobre rapaz na estrada, Cora.
— Sim eu sei, mas porque não o levou para o hospital?
Meu pai desvia o olhar e encara o homem mais uma vez, depois olha para sua caminhonete e passa a mão suja pelos cabelos, como se tentasse encontrar uma maneira mais fácil de falar.
— Se eu for ao hospital eles vão querer saber o que houve e vão descobrir... — meu pai passa a mão suja do sangue do rapaz em seu rosto e desvia o olhar como se falar aquilo fosse algo vergonhoso.
— O que eles vão descobrir pai?
— Que não pago os impostos a muitos anos, vão me tirar a caminhonete, vão me obrigar a pagar tudo o que devo e eu não posso perder minha caminhonete, ela é velha, mas é tudo o que tenho, não posso perder mais nada. — sua voz soa desesperada.
— Calma pai, ninguém vai tomar nada. — tento acalma-lo e ele volta a olhar para o rapaz.
— Eu não podia deixa-lo, olhe para ele, eu não podia deixar ele assim.
— Claro que não, eu compreendo. — olho para o corpo estendido no sofá e rezo para que eu não esteja fazendo uma besteira. — Vamos cuidar dele.
Assim que termino de falar meu pai respira fundo e solta o ar com força como se estivesse se livrando de um segredo pesado demais para guardar para si, ele olha para mim com seus olhos cansados e derrotados e sinto que não importa o que eu diga, ele não vai me deixar levar esse homem para um hospital, e isso vai além do fato de que ele tem dívidas não pagas. Ele se sente culpado pelo pobre homem, em seu coração é sua obrigação cuidar dele.
— Vamos ver o que posso fazer.
Começo a trabalhar rapidamente, assim que fica claro que o homem não sairá desse armazém nem tão cedo, deixo meu pai de olho nele e corro até meu quarto, passo pela sala e ouço o barulho da tv sem me importar com o que está passando, penso em como a vida é engraçada e como as coisas podem mudar de uma hora para outra.
Abro armários e pego todas as toalhas e lençóis limpos que encontro, vou até o banheiro e busco por antissépticos e analgésicos e me decepciono quando não encontro quase nada de útil além de um pouco de dipirona e gases antigas.
Pego minha bolsa e retiro o que encontro de medicamentos e uma caixa de band aind rindo ao pensar que essa caixa não dá para cobrir sequer os machucados de uma das mãos, levo menos de dez minutos até conseguir reunir tudo do que preciso e volto correndo para o armazém, meu pai já se desfez da camisa e está olhando para seu peito como se pudesse monitorar seus batimentos apenas com o olhar.
— Ele ainda está respirando não está? — meu pai pergunta sem tirar os olhos do homem.
— Para nossa sorte sim, só não sei por quanto tempo ele vai continuar.
Me abaixo e retiro o estetoscópio do pescoço colocando-o nos ouvidos enquanto verifico os sinais vitais dele. Seus batimentos cardíacos estão acelerados  e sua pressão baixa, analiso suas pupilas, observo as queimaduras severas em seu rosto e corpo, o estado da sua boca é terrível e constato que ele está desidratado e com uma grave insolação.
— Pai preciso que o senhor me traga água fria, não gelada e nem quente, apenas fria, se tiver algo que eu possa usar para borrifar água em seu corpo traga também.
Meu pai sai correndo em busca do que pedi e começo a despir o rapaz, há ferimentos em todo o seu abdômen e suas calças estão tão gastas que começam a se rasgar no instante em que começo a remove-las.
Ele não tem nenhuma roupa íntima, desvio o olhar do seu corpo e puxo um dos lençóis para cobrir a sua nudez. Quando consigo finalmente me livrar das suas calças, vejo que há mais ferimentos em suas pernas, principalmente nos tornozelos. Seja lá o que tenha havido com ele, ser atropelado foi apenas a cereja do bolo. Seus ferimentos são muito mais antigos e assustadores do que um carro poderia causar.
Meu pai chega com um balde grande de água e um borrifador, juntos começamos a limpar o corpo machucado do rapaz com gaze umedecida, tento ser o mais delicada possível nas regiões onde as bolhas estouraram e a pele parece tão fina que pode se rasgar a qualquer momento, tenho o estômago forte e já vi muita coisa, mas meu corpo dói só de imaginar a dor que ele sentirá quando acordar, talvez seja melhor que ele continue assim até que possamos terminar.
Passamos a hora seguinte limpando-o e tentando deixa-lo o mais confortável possível. Colocamos pomada em suas queimaduras e refrescamos seu corpo com água borrifada, mantenho a compressa em sua cabeça e de tempos e tempos a umedeço na tentativa de manter a febre baixa.
Quatro horas depois nosso paciente começa a se mexer, ele geme um pouco e sua respiração está agitada, sei que preciso medica-lo, mas não conseguirei por via oral já que ele continua desacordado e a farmácia mais próxima está a quase uma hora de carro, então faço o que posso com alternativas caseiras.
O dia está quase amanhecendo quando consigo convencer meu pai a descansar um pouco, permaneço ao lado do rapaz que finalmente parece estar mais tranquilo, agora com seu corpo limpo e cuidado e  me sinto um pouco mais tranquila.

CONFIE EM MIM - DEGUSTAÇÃO Where stories live. Discover now