Acompanho sua linha de visão e vejo uma estranha escuridão verde espalhar-se pelo céu, cobrindo praticamente tudo como um nevoeiro sem fim. Um vento ousado sopra os cabelos de Lola e os meus para todos os lados, como se nos provocasse, desafiando-nos a continuar a jornada.

     - Parece perigoso - Lola comenta, de olhos no céu.

     Encaro-a.

     - O que acha de procurarmos um lugar seguro e esperarmos isso passar?

     - Só vai nos atrasar - ela olha para mim. - Além disso, meu medalhão pode proteger nós dois.

     - Nós dois, não - lembro. - Ele protege você.

     - Tá legal, então eu posso te proteger - Lola diz como se fosse uma solução bastante óbvia.

     Você, me proteger? E correr o risco de se machucar por minha causa? Nem pensar, quero resmungar para ela, mas não o faço.

     - Vamos parar e esperar que as coisas se acalmem. Preciso descansar - digo por fim. Lola não objeta.

     Caminhamos por quase um quilômetro até encontrarmos um buraco na montanha bastante semelhante a uma caverna, mas não tão profundo. Lola e eu concordamos que vai servir para nos esconder do que quer que esteja nos céus fazendo todo aquele alvoroço, então entramos. Ela me ajuda a sentar contra a parede, acomodando-se de frente para mim, abraçada aos próprios joelhos. Ela olha para fora, preocupada.

     - Às vezes isso tudo parece um sonho - murmura, pensativa. - Sinto que a qualquer momento vou acordar com meu pai gritando à porta do meu quarto, irritado por eu ter dormido demais e perdido o horário da primeira aula.

     - Argh, aula - não consigo evitar uma careta. - É a pior parte de ser humano.

     Lola quase sorri e eu me pego ansioso por isso. Desde que encontramos os gêmeos Iluminados e eles tentaram nos matar, ela pareceu murchar como uma aidoei* doente. Suas intermináveis perguntas cessaram e seu rosto está pálido há horas.

     - Você... sente muita falta dele, não é? - eu pergunto.

     Lola aquiesce.

     - Ele é tudo que eu tenho.

     Não sou capaz de compreender como ela se sente. Toda a ideia de família e amor fraternal que os humanos valorizam tanto é muito estranha e inusitada para mim. Duvido que algum dia eu compreenda a intensidade dos sentimentos de Lola em relação ao seu pai e à sua casa.

     - Aquela coisa lá fora... - eu começo a falar para chamar sua atenção. Funciona. - Acho que já ouvi histórias sobre aquele tipo de poder, mas nunca havia sentido algo tão intenso.

     - Eu não senti nada porque não sou daqui, mas se você é forte e foi afetado, deve ser mesmo um poder terrível - Lola observa.

     - Você está bem? 

     Os olhos de Lola encontram os meus, levemente sobressaltados.

     - Eu? Você é que parece péssimo... - seus ombros se curvam para baixo. - E não há nada que eu possa fazer para ajudar.

     Minha mão alcança o rosto dela antes que eu consiga pensar duas vezes. Sinto a textura de sua pele e o seu calor em contato com meus dedos e palma da mão. Humana. Cheia de falhas e limitações. Ainda assim, tão simples e tão fascinante que eu mal posso desviar os olhos. Fico cativado e sou tomado por um sentimento que não combina com quem sou ou com as coisas que faço. É algo acalentador, consistente e que me impulsiona para cada vez mais perto dela. Descubro que minhas únicas motivações agora são fazer Lola se sentir segura e feliz, a qualquer custo.

A Ruína de Ricky Prosper (VOLUME 2)Waar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu