Gelatina e Prótons

Compras da semana

Passeio com meus dedos pelas estantes da melhor seção de toda a livraria – depois da infantil – em busca do material que o professor de Fisiologia pediu. Faltam poucos minutos para meu expediente começar e mesmo que já tenha olhado livro por livro desse segmento, centenas de vezes durante um ano, estou tão perdida em devaneios que não encontro nem sequer o meu autor favorito.

Olho uma última vez para a foto no celular antes de desistir, posso jurar que vi esse livro semana passada enquanto organizava as prateleiras. Afasto-me um pouco para ter uma visão ampla e então concluo que será melhor procurar no sistema quando tiver uma folga, já que hoje é segunda, e segunda é dia de não parar um só segundo dentro desse lugar.

— A senhorita precisa de ajuda? — Direciono meu olhar para o dono da voz suave e encontro um rapaz jovem usando o mesmo avental que todos os funcionários, carregando um sorriso adorável no rosto enquanto empurra um carrinho de reposição cheio de dicionários.

— Ah... está tudo bem, eu trabalho aqui — Explico levantando uma ponta do avental ainda meio guardado dentro da bolsa.

— Sério? Me desculpe — Sussurrou — É meu primeiro dia, então ainda não conheço toda a equipe.

— Seja bem-vindo — Sorrio — Reposição na área de linguagens? — Aponto enquanto já me encontro ordenando involuntariamente as lombadas dos livros que estão em sentidos contrários.

— Pois é, inclusive se me der licença preciso colocar isso aqui logo no lugar, já perdi as contas de quanta gente passou me acelerando e dizendo que nesse ritmo eu estaria encrencado — Soava aflito mas meus lábios pressionavam um ao outro para não rir, tão parecido comigo na primeira semana.

— Vai lá, logo você acostuma. Os outros dias da semana são mais tranquilos, prometo.

— Se eu sobreviver até lá, espero que esteja certa.

— Reponha Inglês e Mandarim primeiro, são os mais procurados e isso pode te safar de um sermão do supervisor — Aconselho.

— Obrigado — Disse baixo, já caminhando de costas em direção ao seu setor — A propósito, meu nome é Peter — Levantou a plaquinha presa com seu nome no avental marrom.

— Naomi — Digo quase inaudível e espero que ele tenha ouvido, pois giro meus calcanhares em direção a ala dos funcionários apressada e já vou prendendo o cabelo em um coque.

Quando cheguei na cidade, me sentia mais em casa aqui do que na república que dividia com cinco garotas. A ideia inicial de morar com outras pessoas parecia desafiadora, e realmente foi, dois anos de caos extremo, pessoas dormindo na escada, chegando pra festa enquanto eu saia para as aulas, homens entrando, saindo, tomando banho com a porta aberta, andando pela casa como se fosse deles — sendo que a entrada dos mesmos, é proibida segundo cláusulas do contrato. Portanto, conseguir um emprego fixo nessa livraria enorme e com ele bancar um lugar para morar sozinha, foi uma das melhores conquistas depois de entrar na universidade e comer o pão que o diabo amassou, sem nem mesmo um requeijão ou café pra acompanhar.

Vou empurrando o carrinho até o setor de artes, aperto o avental marrom e assim dou início a reposição. Por ser a loja mais próxima da universidade, o movimento por aqui é intenso e com grande fluxo do público universitário, o que só me trás vantagens, já que sempre encontro os livros que preciso, tenho um grande desconto, é perto de casa e do campus, então posso simplesmente transitar a pé, economizando com transporte e fingindo que sou saudável, para comer um pote de sorvete sozinha sem culpa depois.

— Oi você pode me ajudar? — Vejo uma moça de cabelos loiros e óculos quadrados pedir gentilmente.

— Claro — Digo colocando um último livro na prateleira superior e indo em direção dos computadores de consulta de estoque — O que procura?