Percy batucava com as pontas dos dedos o tampo da mesa, ainda me encarando, mas perdido em pensamentos. Continuei comendo, não querendo que a conversa se prolongasse ou que o nome dela fosse mencionado. Porém, o assunto que meu amigo levantou de repente parecia não ter relação nenhuma com o que eu esperava.

— Você lembra quando fui na sua casa, quando estávamos na escola, e sua mãe animadamente me mostrou uma foto sua criança? — ele perguntou, e eu franzi as sobrancelhas, querendo saber de onde ele tirara aquilo.

— Lembro. Foi constrangedor o suficiente para eu não esquecer — comentei, finalizando o prato e limpando a boca com um guardanapo.

Eu conhecera Percy Belcher em meu último ano antes do colegial. Eu tinha acabado de me mudar para a cidade, depois que minha mãe deixara meu pai e me trouxera para um mundo totalmente novo e distante. Eu era quieto, mas assertivo, e não deixava as pessoas se aproximarem facilmente. Percy simplesmente ignorara qualquer traço da minha personalidade e invadira meu espaço pessoal, aproximando-se e quebrando alguns muros que eu havia construído ao meu redor.

Um dia, eu o levei para meu pequeno apartamento, enfurnado de coisas, cheio de caixas que nunca tinham sido mexidas depois da mudança. Não tinha exatamente o convidado, ele de alguma forma simplesmente foi comigo e estava lá. Minha mãe empolgou-se e ajeitou-se como eu não via há um bom tempo, preparou uma refeição gostosa com alguns ingredientes que estavam bons na geladeira, e empolgou-se contando histórias embaraçosas sobre meu crescimento para o meu novo "amigo".

— Eu nunca esqueci aquele dia, nem das histórias de criança que ela me contou sobre você. Pra ser sincero, acho que foi isso que acabou me deixando com mais vontade de ser seu amigo — Percy disse, finalmente abrindo seu próprio pacote de comida e mordiscando alguns dos legumes. — Ela me contou como sempre se preocupava com você, porque você não conseguia fazer amigos. Como você era a criança que queria ser a melhor em tudo e não se importava com os outros desde que conseguisse o que queria. E que mesmo que os outros tentassem se aproximar, você não dava nenhuma abertura, sempre querendo ser possessivo, sempre querendo ser o melhor, provar seu valor. E quando você tinha aquela prova, você não se importava se tinha amigos ou não. Além disso tudo, você odiava perder, o que o metia em várias brigas. Nossa, sua mãe realmente sofreu com você.

Eu não entendia exatamente o ponto de expor todas as minhas fraquezas daquela forma, mas beberiquei a cerveja aguardando Percy chegar onde queria. Ele era um pouco cabeça-de-vento e acabava por desviar do assunto principal, mas eu sabia que ele planejava bem o terreno para chegar ao ponto que queria.

— Para ser sincero, eu não acho que você tenha mudado muito — Percy disse, rindo. Bufei.

— Não é possível que depois de 20 anos eu continue da mesma forma — retruquei.

— Isso é verdade. Mas os traços da personalidade se mantém, e tem muito do Vincent daquela foto que ainda existe no Vincent sentado na minha frente agora — sua voz era suave. Ele pigarreou, largando os hashis que segurava e inclinando-se na mesa, encarando-me sério. — Isso tudo é por causa da Lora Preston, não é?

Arqueei as sobrancelhas, em choque. Não sabia como Percy sabia o nome inteiro dela, ou como ele adivinhara, depois dessa retrospectiva sobre minha personalidade, que era ela que estava em minha mente, infernizando-me. Ele sorriu de lado, provavelmente lendo em meu rosto que estava certo.

— Sabe, Vince. Da mesma forma que quando você era criança você afastava as pessoas porque só se preocupava com a vitória e seu valor, hoje em dia você também se isola muito. Você se tranca e passa dias fora de contato e, apesar de eu sempre ficar preocupado, eu sei que isso é parte do que você é. No entanto, já se passaram quase quinze anos; e eu ainda estou aqui — ele espalmou uma mão sobre seu peito, os olhos ainda fixos no meu. — Será que isso não conta nada? O fato que eu não fui embora?

II - Onde Eu Quero Estar |hiatus|Onde histórias criam vida. Descubra agora