CAPÍTULO 04

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— Você está com uma cara péssima — Percy comentou, as sacolas de comida chinesa que trazia nas mãos atraindo mais minha atenção do que sua alfinetada. Desencostei do batente da porta, estendendo as mãos para receber a comida, que ele me entregou sem rodeios. — Achei que seus prazos não tivessem começado ainda.

— E não começaram — retruquei, arrastando-me para a sala, onde sentei na mesinha baixa em frente à TV desligada e comecei a dispor as caixas de comida trazidas pelo meu melhor amigo. Ele foi até a cozinha primeiro, buscando duas garrafas de cerveja e voltando até se sentar à minha frente. Abriu-as e me entregou uma. Agradeci, já com um pouco de yakisoba na boca, mastigando avidamente.

Não é como se eu realmente estivesse planejando me matar por desnutrição, apenas passara o dia inteiro sem comer por puro esquecimento. No momento em que Percy ligara e mencionara "comida chinesa", meu estômago adormecido parecia ter acordado de sobressalto e, irado, revolvia-se dolorosamente em minha barriga.

— Então por que você está com cara de quem não dorme há dias? — ele perguntou, bebericando a cerveja e por enquanto apenas me julgando, sem tocar na sua parte da comida.

— Porque eu não durmo há dias.

— E não tem comido também, pelo que estou vendo. Está planejando me fazer noticiar a morte do meu melhor amigo em pleno jornal nacional? — ele pareceu desgostoso e eu ri.

Comi mais um pouco, em silêncio, e ele beliscou um pouco do frango que trouxera de acompanhamento. Eu sabia que ele estava curioso e logo em encheria de perguntas sobre minha situação atual, e não estava errado. Quando parei pra finalmente empurrar um pouco da comida com a cerveja, ele me olhou inquisidoramente e eu sabia que não poderia escapar.

— Então? O que está acontecendo com você?

— Nada demais — grunhi.

— Pare de se esquivar, Vince. Não sei de onde você tira que precisa aguentar tudo sozinho — seu ataque foi bem direto e pensei se ele tinha planejado aquela conversa durante um bom tempo. Provavelmente sim, se bem o conhecia.

— Não estou fazendo isso — respondi, simplesmente, mas não era verdade e nem se eu fosse o melhor mentiroso do mundo eu conseguiria fazer Percy acreditar nisso. Como esperado, ele apenas bufou e continuou me encarando. — Só tenho dormido mal, é isso — acrescentei, para que ele me deixasse em paz.

— E por que está dormindo mal? O que está acontecendo? Converse comigo, Vince — sua frustração era evidente. — Eu odeio quando você guarda tudo para si mesmo e aparece com essa cara de bosta dizendo que não tem nada demais.

— Você não devia se preocupar tanto.

— Eu sou seu amigo, então é óbvio que me preocupo — ele foi rude, mas suas palavras aqueceram um pouco meu coração. Respirei fundo, mantendo-me em silêncio enquanto pensava, revirando os palitinhos com que comia.

— Eu só ando tendo uns sonhos estranhos, nada demais — disse, finalmente, voltando a enfiar comida na minha boca numa tentativa de que ele não pedisse mais detalhes. Eu falhei, obviamente.

— Sonhos? Tipo premonições? Você está tendo visões? — ele largara a postura rude e autoritária e agora voltara a ser o cabeça-de-vento que eu sempre conhecera, o que aliviou um pouco o clima na sala.

— Claro que não, seu panaca — comentei, quase engasgando tentando não rir de suas suposições. — São só... sonhos.

Dei ombros, não querendo entrar em detalhes sobre as idas e vindas de Lora Preston em meus momentos de inconsciência. Há dias ela frequentemente aparecia ali, sem causar nenhum dano, mas me fazendo acordar no meio da noite e xingar por vários minutos a insônia. Cansara, há muito, de sua constante presença na minha mente, tanto quando estava consciente quanto inconsciente. Não é possível que apenas poucos meses de contato com a mulher me fizessem tão obcecado por ela, ainda mais sem eu nem saber por quê. Para mim, o assunto já estava resolvido, então por que minha mente não aceitava isso?

II - Onde Eu Quero Estar |hiatus|Where stories live. Discover now