— Obrigado. — Ele me agradeceu.
— Por quê? — Pergunto eu, franzindo o cenho e sorrindo.
— Por tornar esse desenho, o melhor de todos que já desenhei. — Ele ainda dizia isso, olhando para o desenho.
— Ah, acho que temos paixão pelo que fazemos! — Respondo-o e o vejo sorrir, tímido, para mim e volta seu olhar para o desenho, ainda aperfeiçoando o céu sem cor, que sei que ele vai pintar quando chegar em sua casa.
A campa havia tocado e fomos para o corredor. Deixamos algumas coisas no armário. Me olhei pela segunda vez no espelho. Não sei por que eu ainda faço isso. Fui com Ethan pelo corredor. A chacota que Tyler James fizera de Ethan, por aqui, circulava entre todos que passavam por nós e riam como se vissem a coisa mais engraçada de suas vidas. Me sinto incomodada com isso, á ponto de partir para cima de quem estava rindo. Olho ao redor e, já com os punhos cerrados, Wesley Hills surge no meu campo de visão para me dar um folheto. É um convite para a sua festa.
—Ei! Quero que esteja lá, esse final de semana! — Wesley diz e eu estou ainda parada no corredor, ao lado de Ethan, que havia se assustado com a chegada dele. Eu resolvo pegar o folheto do garoto moreno.
— Ah e sem furos, viu Tessa? E pode levar o seu amiguinho, se quiser. Não tem problema. — Ele aponta com a cabeça para Ethan que segura as alças da mochila com as duas mãos e continua olhando para ele.
Wesley me dá um sorriso e sai.
— Você vai para essa festa? — Ethan me pergunta.
— Acho que não vou. E você? — Respondo-o. Ele olha agora para mim, ainda segurando as alças da mochila e seguimos juntos.
— Nunca fui em festas. — Ele me diz e isso me surpreende. Ethan é muito bonito. Como nunca foi convidado para uma festa? Parece até um absurdo de tão lindo. Mas, é a verdade.
— Então, essa será a sua primeira. Você quer ir? — Pergunto para ele.
— Eu não sei. — Ele me responde ainda relutante.
— Vamos! — Digo. — Vai ser legal!
Tento convencê-lo.
— Tudo bem. Eu vou. Mas, eu não sou do tipo descolado. Não tenho roupas adequadas para ir. — Ele me olha envergonhado, sorrindo.
— Não se preocupe. Eu vou dar um jeito. — Eu digo.
— Que jeito? — Ele pergunta.
— Nunca subestime o poder de uma mulher! — Respondi e ele riu.
Seu sorriso é o mais lindo que já vi. Tão alvos e claros.
— O quê? — Ele pergunta, ao me ver admirando-o. Que obra de arte!
— Nada. É que... Deixa para lá! Vamos comer alguma coisa? Eu estou com fome. — Disfarço. Vou na frente, seguindo pelo corredor. Ele vem, logo atrás.
Quando chegamos no refeitório, Tyler James e sua namorada estão sentados na mesa dos populares, com as líderes de torcida e com alguns babacas a mais, usando o casaco branco e detalhado de azul do time Blank River. O nosso time de futebol da escola. O camisa 10 é Tyler James, 9 é Kandle, 8 é Austin, 7 é Mike, 6 William, 5 Jacob Trainor e o número 4 é Wesley Hills, o menos pior dos garotos do time. Comigo, ele tem sido legal. Se trata do mesmo que me parou no corredor. Há alguns garotos que eu não conheço ali. Devem ser novos ou que eu ainda não mantive nenhum contato nos anos anteriores.
Ethan e eu pegamos uma bandeja e nos sentamos em um lugar distante.
Lenz sentou conosco. Ele é um nerd que o Tyler adora bagunçar.
— Tudo bem? Posso sentar aqui? — Ele pergunta, e eu assenti com a cabeça em positivo. Eu estava ainda com a boca cheia de comida para falar algo.
Nem precisei dizer nada. Lenz foi falando.
— Às vezes, eu acho que Tyler faz isso para se sentir superior a nós. Só porque somos mais inteligentes, tecnicamente, do que ele e seu grupinho popular e seletivo. Minhas desculpas ao Pateta, da Disney. Mas, Tyler é um pateta. — Eu ri, quando ele terminou a frase.
— Isso é normal. Acho que ele se aproveita, usando da fama de bad boy na escola, para fantasiar o seu pequeno e idealizado "reinado" sobre todos nós. Resumindo: Tyler James não é nada aqui, à não ser uma mera figurinha ilustrativa de uma embalagem de biscoitos sem graça. — Meu resumo sobre o babaca é breve e rápido.
— Uau! Me parece que você já vem o estudando há anos. — Lenz diz.
— Bom, Isso é verdade. Apesar de ter que lutar muito contra a vontade de socá-lo, eu me sinto bem dando as respostas certas para as indiretas dele. Ele insiste em me chatear. Mas, como sempre, eu não ligo muito. Sempre o ignoro. Um dia eu sei que isso vai acabar. E ele vai me pedir desculpas.
Digo e vejo Lenz rir.
— Bem convencida você! — Ele fala com a boca um pouco cheia de comida.
Volto a comer. Ethan, ao meu lado, está tranquilo até a chegada de Tyler, novamente.
— E aí, Ethan! Como está indo? Já pensou sobre a nossa galera? — Tyler o provoca e sinto novamente minhas mãos cerrarem.
— Ainda não. Eu estou um pouco ocupado! — Ethan Responde.
Tyler ri.
— Com o quê?! Com essa porcaria de desenho? — Ele joga a mochila com os desenhos de Ethan no chão.
Eu tento. Eu juro que tento ser pacífica. Mas, com o Tyler não consigo.
— Você está pedindo para morrer! — Me levanto e o tom de voz aumenta quando fico de pé em frente a Tyler, enquanto Ethan recolhe os desenhos.
— Ora, ora, ora... Vejam, pessoal! A namoradinha do Ethan está em sua defesa! Ah, que lindo! — Tyler provoca.
— Você é um babaca mesmo, Tyler! Só faz isso para se sentir melhor do que os outros. Nunca soube tratar seu ego. Garoto mimado de merda! — Afirmo, direta, na frente de todos. Aqui, tem coragem!
Os olhos que me cercam quando digo isso, se concentram em um único ataque vindo de Tyler em minha direção. Eu o impeço. O soco que aparo em minha mão desvia do meu rosto, que não expressa nenhuma surpresa. Já que em tudo, Tyler sempre se dá bem usando a violência. Só que NUNCA comigo. Ele sempre perde. E ele sabe disso.
— Você é muito audaciosa, Tessa! — Ele me encara, sério, nos olhos. — Vou fazer você pagar caro por isso. Muito caro!
— Pagarei o preço que for para vê-lo perder. — Respondo-lhe á altura, em tom provocativo e intimidador.
— Isso é o que iremos ver! — Diz ele, dando de ombros com um sorriso intimidador.
Tyler, bufando de raiva, faz um sinal com a mão e convida seus amigos para irem embora dali.
— Babaca! — Digo, para que ouçam.
E então, ouço comemorações e gritos por quem estava ali, observando tudo.
— Agora, vejo que você é realmente uma grande conhecedora de Tyler James. — Diz Lenz.
— Admito que hoje, o meu sangue estava fervendo e pedindo por uma guerra que eu não sei como terminaria. Eu, hoje, só a queria. — Digo ainda com os olhos fixos à galera de Tyler James que voltava a se sentar no mesmo lugar.
— A guerra que você tanto quer vai começar no próximo verão. — Diz Lenz.
— O que você quer dizer com isso? — Pergunto.
— Ele vai para o acampamento. — diz, aproveitando ainda o pouco de comida que ainda havia em sua bandeja.
— Por que? — Ainda insisto em perguntar e Lenz parece me dar uma resposta plausível.
— Acho que os pais do Tyler viajarão, para comemorar o aniversário de casamento no mesmo mês e não vão poder levar o "filho querido" como sempre faziam nas viagens de férias para o Caribe ou qualquer que seja o lugar.
Penso ainda em desistir do acampamento. Mas, vejo que desistir não é muito o que eu faria em situações como esta.
— Bom, se é isso que ele vai fazer. Eu também irei. Não vou desistir do acampamento só porque Tyler James vai. Eu tenho agora você e o Ethan. Você vai, não é?
Ethan me olha, sério.
— Eu não sei. Na verdade, eu não costumo ir para esses acampamentos nas férias de verão. Eu costumo ficar em casa, ajudando meus pais. — Disse ele, olhando para a bandeja quase vazia.
Os dedos entrelaçados, os antebraços apoiados sobre a mesa. A camisa quadriculada vestia bem seu corpo, exercendo contraste à sua camiseta branca com jeans azul e os tênis pretos. A bainha da calça dobrada para fora e as mangas da camisa enroladas até os cotovelos. Eu o analisava, encantada com aquilo que meus olhos tinham a graça em apreciar. Mal percebo que estou novamente em um transe.
— Tessa, precisamos ir. A campa acabou de tocar. — Ele me diz, estalando o dedo no meu rosto. Eu ri quando ele fez isso. Lenz não estava mais lá. Deveria ser porque eu não tinha percebido que ele tinha ido embora. Eu preciso controlar minhas emoções!
Depois que terminamos, voltamos para a sala de aula. Tyler James não está aqui para nos perturbar. E isso é ótimo! A maioria dos amigos dele cabularam aula para irem ao parque da cidade, onde acontecerá um show de rock em pleno meio-dia. O tempo está nublado, mas isso não impede que ele e sua turma possam ir. Nem mesmo as faltas anotadas que ele pode ter, na caderneta de presenças.
Retomamos a aula do Senhor Winston, que pouco importou-se com o garoto popular e seus amigos. Percebo Ethan focado ao que está sendo escrito na lousa. "A Segunda Guerra Mundial" era o assunto no qual estudaríamos. O teste serviu exatamente para isso.
— Por que quer tanto se vingar do Tyler? — Sou pega de surpresa pela pergunta de Ethan.
— Ei, menino esquisito! — Uma garota joga uma bola de papel em Ethan.
— Vai, abre! É para você! — Ela ainda diz, com um sorriso estampado no rosto. Conheço esse sorriso.
Ethan abre a bola de papel amassado e lê o que está escrito. Vejo seus olhos murcharem.
— Dê-me aqui! — Pego o papel de sua mão e leio o que está escrito.
"Idiota! Um esquisito total! Ha, ha!"
— Quer mesmo saber? — pergunto. Ele me observa.
— É para evitar que mais coisas como esta... — Pego o papel, amasso-o e jogo na lixeira. — Aconteçam!
Ethan me observa.
— Eu acho melhor você sentar. — Ethan diz, prevendo novamente uma briga eminente.
— Um dia, eu vou fazer isso parar, Ethan. Eu vou fazer isso parar. — Digo, me sentando novamente na cadeira, enquanto vejo as garotas rirem de mim e de Ethan, que permanece, aparentemente, entristecido.
As outras aulas seguiram e posteriormente, o almoço. Ethan estava ao meu lado, na escadaria onde pintamos o seu desenho pela última vez.
— Sabe? Eu nunca tive uma amiga. Sempre fui sozinho. — Ele fala comigo, ainda desenhando outra paisagem em seu caderno de desenhos. A caixa de lápis estava na minha mão. Ele segurava uma régua e traçava linhas retas com um lápis preto, específico para desenhos.
— Por que nunca teve amigos? — Perguntei.
— Porque... — Ele demorou um pouco para me responder.
Cada movimento na régua, percebia sua cabeça pender para um lado. Às vezes, para o outro lado. Ele calculava o ângulo certo que queria para o seu desenho. Mais alguns movimentos na régua sobre o caderno, e logo ele me respondeu.
— Porque eu sou estranho. As pessoas não gostam de gente estranha. — Ele diz isso enquanto começa a dar os primeiros rabiscos no caderno, dando forma e sentido à sua arte.
— Para mim, você não é estranho. É apenas quieto. — Digo.
— É este o problema! As pessoas não gostam de pessoas quietas demais. E eu não consigo ser de outra forma. Eu sou assim. — Ele me responde e, em dados momentos, olha para o horizonte, como se eu estivesse ali e não ao seu lado. Entendo que ele não costuma exercer contato visual, constantemente.
— Mas, você não precisa mudar quem você é. Apenas, começar a interagir. É difícil no começo, eu entendo. Mas, não pode ficar na sua zona de conforto o tempo todo. Você precisa socializar, Ethan. O mundo é feito disso. — Digo. Ele continua desenhando e parece estar com a mente distante.
— Eu já tentei isso. — Ethan diz, com a cabeça quase encostando no caderno, olhando fixamente para os traços que está fazendo no desenho. — Mas, não deu certo. Nunca deu certo e nunca vai dar. Eu já me acostumei com isso. Até minha própria família me discrimina. Meu pai, parece me odiar. Minha mãe, não quer saber de mim e finge que não existo. — Ouço atenta cada palavra dita por ele. Isso me deixa triste. — Cada vez que tento um contato com os dois, sou tratado com indiferença. Os únicos que, pelo que sei, ainda me tratam bem são os meus bisavós maternos. Eles moram perto de casa. Então, eu passo a maior parte do tempo os fazendo companhia, enquanto desenho sentado na mesinha da varanda da casa. Isso só acontece quando meus pais me permitem sair.
Fico olhando seu desenho tomar forma e traços mais firmes. As montanhas parecem mais realistas. O floco de neve em destaque parece ser feito delicadamente.
— Eu sou... Não sei se deveria te contar. Mas, eu sou autista. Fui diagnosticado aos 6 anos. Vivo pensando se isso é um problema na minha vida. Você, agora sabe. — Ele se vira para me olhar, ainda que, por poucos segundos. — Eu só conheci você como amiga, até agora. Nunca tive amigos em nenhuma escola. E você é a primeira delas. Quer dizer, eu até tive colegas que me ajudaram a tentar uma socialização mas, acredito que nem mesmo eles queriam me ajudar. Desistiram de mim no meio do ano e fingiram que eu não existia.
Vejo ele abaixar a cabeça e voltar a olhar o desenho.
Ele pega alguns lápis de cor na caixa que está na minha mão. Passa-os, cuidadosamente, sobre o desenho, cobrindo cada parte em branco e dando cor aos traços. Colorindo e dando vida ao desenho, tento ajudá-lo. Ele me diz quais cores precisam ser usadas para darem destaque. E assim, eu o faço. A campa toca e é hora de voltar para a aula. Passando pelo corredor, vejo Tyler e seu bando. Mandy agarrada a ele como se o mesmo fosse o último ursinho de pelúcia fofo da máquina. Sigo seu olhar provocativo e sinto a fúria tomando conta dos meus nervos. Meus punhos cerram. Mas, sinto Ethan segurar meu braço esquerdo, do mesmo lado que carrego a mochila.
— Você precisa controlar isso. — Ethan diz enquanto paro no armário para trocar os livros.
— Eu sei. — Digo, abrindo o armário. Ethan guardou seu caderno de desenho e lápis de cor. Trocamos os livros para a aula de Matemática e Física.
Seguimos pelo corredor até a sala de aula. Sentamos em nossos lugares novamente e ali ficamos assistindo a aula. Tyler tem treinos esse horário. Então, o babaca se salva e não precisa assistir as aulas. Faltas não são colocadas no nome dele e nem em de seus amigos. Eles estão no treino de futebol. A maioria das líderes de torcida também tem ensaios e quando não têm, elas trocam os horários de física e matemática por de espanhol só por conta do professor Gabe ser alto, forte, sarado e bonito. Que a verdade seja dita.
Por um lado, o bom é que não vejo Tyler e, muito menos, as patricinhas, líderes de torcida. Algumas vezes, quase raramente, estudo com Mandy nas aulas de Química e Biologia. Temos algumas aulas em comum. Isso que é o cúmulo. Mas, o lado bom também, é que ela não me incomoda nessas aulas. Apenas, foca nos estudos. Pelo que sei, ela realmente precisa aprender sobre Química, por causa de seu pai, que é professor em uma universidade. Rica e bonita, realmente ela tem tudo para dar certo.
Voltando a falar de Matemática e Física, Sra. Laurence Harris é quem ministrará as aulas no último ano. Sua idade? Menos de 30. Acreditem! Ela parece ter cara de 18. Cabelos cacheados, cor de pele negra, magra, alta e bonita. E também, à quem Mandy morre de inveja e ciúmes, porque Tyler deu em cima dela, uma vez. Obviamente, ele foi parar na Direção por assédio.
A chacota foi tão grande e pesada que Tyler não veio à escola por três dias.
O assunto de hoje é "Matrizes E Determinantes". Ótimo! Porque eu não entendo nem um pouco de Matemática. Mesmo que ela explique. Logo após o término da aula, a campa toca anunciando a matéria de Física. E sim, ainda será ministrada pela Sra. Laurence. Ela pediu que fizéssemos os exercícios dos livros e entregássemos na próxima aula. Vi que Ethan já estava resolvendo. O impressionante era que seus cálculos pareciam ser tão exatos e precisos que ele não mostrava dúvida sobre o resultado.
— Parece estar muito seguro sobre o resultado. Como você faz isso? — Pergunto, curiosa.
Ele me olha, sorri e parece estar feliz com o que fez.
— Calculei este por este e logo vi que o resultado seria exatamente o que estava pensando. — Diz ele, enquanto indicava com o lápis os cálculos que fizera.
— Turma, abram o livro na página 32 do livro de Física. — Avisou Sra. Laurence. Ethan guarda o livro de Matemática e tira o outro de Física da mochila. Abriu o livro e transcreveu o comando das questões. As aulas da Sra. Laurence sempre funcionavam assim: Primeiro, escreve-se as questões no caderno. E em seguida, ela explica o assunto. Fica mais fácil de assimilar o conteúdo, que pode ser aplicado após a explicação. Sem contar que aproveitamos para sanar dúvidas, antes de tentar resolvermos os exercícios. É mais prático dessa maneira.
Observo Ethan e sua concentração. Não queria interrompê-lo, mas eu precisava.
— Será que pode me ajudar? — Ele assentiu.
Vejo que ele fica mais perto de mim. Sinto sua respiração.
— Esse assunto, eu estudei no ano passado. Então, é simples. — Ele pega o lápis da minha mão e começa a resolver. Enquanto isso, ele explica cada passo dado por ele para conseguir resolver aquele "grande mistério" para mim. Quando ele termina de explicar e resolver, a professora inicia sua explicação. E, sim! Estava tudo corretamente condizente com o que ele havia resolvido ali.

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