— E qual água que a gente vai beber?

— Esta ai mesmo, filho — riu vovó. — Não se preocupe porque ela é melhor do que as outras.

— Melhor!? — protestou ele. — É horrível!

— A vovó tem razão, maninho. Esta água é muito boa pra sua saúde!

— Iéca! Eu detestei!

— E por que vocês estão pelados? — admirou-se vovó. — Cadê a roupa de vocês?

— Ãh! — estranhei. Vovó é cega ou só está fingindo para fugir do trabalho. — Como a senhora sabe que estamos sem alguma roupa, se nem chegamos perto da senhora?

— Já disse que eu enxergo muito bem! E por sinal, não estão cheirando muito bem!

Nós dois juntos tentamos sentir nosso próprio "mal cheiro", forçando as narinas embaixo dos braços e percebendo que o odor de suor começava a nos incomodar.

— Outra coisa — riu ela. — O ônibus que levarão vocês dois pra casa, vai passar aí na porta daqui a quinze minutos.

— A gente vai dormir aqui, vovó — aleguei. — Quer dizer... se a senhora deixar!

— Se eu deixar, não! A vovó deixa vocês dormirem na casa dela o ano inteiro, se quiserem. Quem tem que permitir são os pais de vocês!

— Nós avisamos minha mãe que vamos dormir aqui — insinuou Regis.

— E o outro menino? — lembrou ela.

— Mamãe também sabe que iremos dormir por aqui — aleguei.

— Se elas permitem, vovó se alegra. Embora nem conseguiram se sacrificar um pouco pertinho desta velhinha.

Corri até ela e a abraçando, aleguei:

— Vovó, a gente ama a senhora, do fundo de nossos corações.

E já que foi assim, Regis, que nunca tomava atitudes deste gênero, chegou de mansinho e com algum receio a abraçou também.

— Que delícia ter um carinho de dois peraltinhas assim — riu a velhinha visivelmente emocionada. — Vovó gosta disso!

— Eu sei vovó que a senhora gosta e precisa disso — confirmei. — Todo ser humano adora um pouco de carinho, principalmente dos filhos e netos. É que todo mundo parece que se acomoda em dar algo que não custa nadinha e vale tanto.

— É tudo o que a vovó mais precisa — alegou ela, parecendo não querer nos deixar sair daquele abraço.

— Precisa tanto que nem se incomoda com nosso fedozinho de meninos arteiros — ri peralta.

— O fedozinho de suor de vocês é como um perfume para minhas narinas e pode acreditar, este fedozinho de agora, vovó nunca mais irá esquecer.

— Não seria melhor o fedozinho de um belo banho, vovó? — aleguei.

— Já que estão pelados, por que não aproveitam? Aliás, por que estão pelados?

— Não estamos pelados! Estamos com pouca roupa porque o Regis fez favor de cair no rio!

— Lá nas cachoeiras? — espantou-se a boa velhinha.

— Não! — negou o próprio Regis. — No riozinho da horta.

Poucos minutos depois, nós dois juntos resolvemos tirar nosso fedozinho no chuveiro semelhante ao de nossa casa (acho até que papai teria copiado o nosso daquele ali), aos fundos da cozinha, do lado externo da casa.

Através das Barreiras do tempoWhere stories live. Discover now