Capítulo 1

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"MIA." Ouço minha mãe gritar em meio a ruídos de panelas batendo umas nas outras e armários abrindo e fechando. O familiar som da manhã!

Observo, com meus olhos semiabertos, a luz do sol preencher meu quarto e a iluminar as roupas e lençóis espelhados pelo chão, e os diversos livros soltos pela pequena cômoda ao lado da cama. Levantar da cama depois de ter dormido no máximo durante umas quatro horas é realmente um desafio. Minha visão, um pouco embriagada do sono, processa lentamente os raios luminosos a encher meu quarto e me alertar do quão tarde está.

"MIA." Minha mãe repete com a voz mais alta do que o normal. Não tenho forças suficientes para lhe responder. A manhã é definitivamente o pior horário do dia, e eu não tenho nem um pouco de humor ou qualquer outro ânimo para pelo menos levantar meu astral fisicamente.

"ESTOU INDO!" Finalmente falo me levantando da cama e andando em direção ao banheiro.

Como de costume, me dispo para tomar um bom banho quente, e em fim relaxar. Nada como a sensação da água escorrendo sobre o seu corpo e te fazendo esquecer de toda a pressão de quando se vai para uma universidade. Na verdade não sei como eu consegui ir para a Universidade de Seattle, até porque quando eu soube que eu tinha sido aceita a única pessoa que realmente comemorou e que gritou feito louca foi somente eu. Meus pais ficaram orgulhosos ao ver o quanto eu estava me empenhando, mas eles sempre quiseram que eu me formasse aqui, em Portland, sendo que a única coisa que eu quero é experimentar o mundo lá fora, sem ninguém me dando sermão a toda hora.

Ao sair do banheiro, já completamente arrumada, pego todas as malas no canto do quarto e começo a descer as escadas. Quanto mais me aproximo da cozinha, mais o cheiro do café e das panquecas penetram pelo meu nariz e me fazem delirar.

Eu estou completamente exausta depois de ficar até três horas da manhã estudando e organizando meu calendário para o começo das aulas na Universidade de Seattle. Na verdade, eu só não estudei mais pois acabei adormecendo contra minha vontade e acabei dormindo sem trocar de roupa, ou ao menos arrumar meu quarto, que por sinal está imundo!

"Bom dia, pequena universitária!" Ed diz com um sorriso radiante. É incrível a forma alegre como ele fala em plena luz do dia. Eu queria ter todo esse humor.

"Bom dia." Respondo na mesma entoação.

Me junto a ele, e começo a tomar meu café da manhã. Me perco em pensamentos medonhos. No receio de viver sozinha, sem nenhum parente por perto, apenas com o Ed, que é como um irmão para mim. Vou morar com garotas que eu nem conheço, e vou estudar em uma cidade diferente da dos meus pais e dos meus amigos. Sou uma adulta agora, e não posso ser tão meticulosa com algo que eu nem vivenciei e que não faço a mínima ideia de como seja. Será que eu estou sendo muito dramática? Afinal, de qualquer das maneiras eu não ia morar aqui para sempre. Eu acho!

"Está ansiosa?" Minha mãe pergunta enquanto senta em uma das duas cadeiras restantes presentes na cozinha.

"Estou." Eu vou explodir de tanta ansiedade. Você não imagina o quanto eu quero ter minha própria vida, com mais liberdade e sem pessoas me julgando. "Acho que será uma ótima experiência!"

"Seu pai disse que está orgulhoso, filha." Ela fala e eu solto um olhar desconfiada. Meu pai é extremamente ciumento e nunca diria isso. Eu não faço ideia do porque ele deixa eu conversar com o Ed, e não me deixa nem chegar perto de outros garotos. Foi muito cansativo convencê-lo a me deixar estudar fora. Eu nunca saio para festas, nem mesmo aniversários, quanto mais morar longe dele.

"O Sr. Miller falou mesmo isso?" Ed pergunta desconfiado.

"Sim... Não, quer dizer... Ele disse isso em outras palavras, mas tenho certeza que ele está muito feliz por vocês." Ela responde e eu solto um leve sorriso para o Ed. Ele parece estar mais nervoso que eu, em relação a universidade.

"As malas já estão no carro."Minha mãe avisa antes de ir começar a arrumar a casa.

"Nós vamos daqui a alguns minutos." Ed anuncia e leva seu prato até a pia. "Não temos pressa."

"Contanto que a gente chegue até amanhã, por mim não tem hora para ir."Brinco fazendo o dois rirem.

Depois de alguns minutos conversando sobre os nossos futuros, eu e o Ed entramos no seu Toyota Camry vermelho. Começo a sentir um imenso frio na barriga quando ele liga o motor do carro, e quando começamos a sair da garagem. Estou dolorida da cabeça aos pés, depois de ter recebido milhões de abraços e beijos da minha mãe.

Posiciono minha cabeça contra o vidro da janela do carro e ponho me a pensar na minha programação universitária. Tudo tem que ser perfeito e bem planejado, como de costume.

Acho que eu peguei essa obsessão por organização dos meus pais. Eles sempre literalmente me obrigaram a guardar minhas coisas em seus devidos lugares e nunca deixar as coisas bagunçadas. Meu pai vive me dizendo que pessoas desorganizadas são desajeitadas, são aquelas desleixadas que não se preocupam com a vida e que em sua maioria não tem um futuro brilhante, como eu tenho que ter. Ele queria que eu fosse uma médica, mas eu não gosto de hospitais... Sinceramente eu não os suporto... Eu prefiro fazer algo que eu sempre quis. Desde de pequena eu adorava conversar com as minhas amigas. Me lembro de me encantar com a forma como elas sorriam quando eu, do nada, começava a fazer caretas. Mas foi com doze anos que eu decidi fazer curso de Psicologia.

"No que você está pensando?" Ed me pergunta enquanto olha atentamente para a pista que parece não ter fim.

"Em tudo... Os meus planos profissionais e pessoais, minha nova moradia, minhas futuras amizades, minha nova rotina...

"Resumindo, sua nova vida." Ele me interrompe e espanta meus pensamentos universitários.

"É, resumindo é isso." Concordo com a cabeça.

Falando assim você parece com a sua mãe." Ele olha para mim, e tenho certeza que está analisando minha expressão duvidosa. Minha mãe não é exatamente o tipo de pessoa que eu quero ser. Não quero viver sempre de mau humor como ela, apesar de saber que não sou a pessoa mais bem humorada do mundo.

"E isso é ruim?" Me ouso a perguntar e o faço rir de novo. Por que ele ri tanto de mim? Sou uma palhaçada, agora?

"Claro que não." Ele responde depois de uns longos segundos. "É legal você pensar no futuro e não no passado."

Em resposta solto um leve sorriso e volto a fitar a paisagem que passa pela janela do carro. Eu não quero mais conversar. Isso está me deixando mais nervosa do que eu já estou.

Ele liga o aparelho de som e ouço uma melodia semelhante a vibrar em meu ouvido. Logo peço para ele mudar a música, porque essa melodia me lembra meu ex-namorado, que meio que me traio. Na verdade ele terminou comigo do nada e no outro dia já estava com outra garota. É estranho, eu sei!

Me aconchego no banco cinza e felpudo do carro e começo a sentir um sono instantâneo correr pelo meu corpo. Provavelmente deve ter sido porque eu não dormi praticamente nada noite passada.

InfinitoWhere stories live. Discover now