Capítulo 9

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A grande verdade é que Ethan não é bom em nada que envolva pregos, martelo ou decoração. Já estamos no meu apartamento, um pequeno prédio verde limão que nunca tranca a porta principal, há mais de horas e tudo o que fizemos foi pregar um Papai Noel torto na lareira,  outros três espalhados pela sala parecem tão descolados quanto eu naquele restaurante chique que ele me levou mais cedo e temos uma cadeira quebrada após uma tentativa de pendurar um trenó no teta da sala. Pelo menos as risadas e a companhia de Ethan compensam tudo.
Ele me fez ligar o rádio numa dessas estações que só tocam músicas natalinas desde o momento em que pisamos aqui. Agora pelo autofalante do velho radinho a pilha toca All I Want for Christmas is you, o que faz Ethan cantar a plenos pulmões. Seu sobretudo já está jogado no chão junto com o suéter que lhe dei de presente, eu ainda estou usando a touquinha de Papai Noel, mas a dele está jogada em algum lugar no sofá.
Estou terminando a decoração da pequena árvore e de longe, é o enfeite mais bonito do apartamento. Toda verdinha, com bolinhas vermelhas e douradas penduradas, algumas bengalinhas listrada de branco e vermelho e uns presentes bonitinhos. A pequena estrela que Ethan escolheu agora brilha bem lá no topo. Ela é tudo o que eu queria, não tão grande, mas também não tão pequena que se torne invisível.
Enquanto ligo as pequenas luzes que a deixam mais bonita, Ethan está perdendo de lavada dos pisca-piscas. Ele tenta contornar a lareira com eles, depois de pendurá-los por toda a extensão da sala, mas está todo enrolado. Por fim o ajudo, terminando o que ele havia começado.
- Pronta? - Pergunta virado para a lareira, admirando seu trabalho. - Apague as luzes, Lisa, e ligue o fio na tomada.
- Você sabe o que está fazendo? - pergunto entre gargalhadas.
Ele me olha por cima do ombro e coloca as mãos na cintura.
- Eu sou o rei da eletricidade, querida. Faça isso e veja a magia do natal acontecer.
Eu apago o interruptor com um sorriso, tateando na parede em busca da tomada. Quando enfim a acho, meu coração diz que não é uma boa ideia, mas acabo fazendo o que Ethan pediu.
Os pisca-piscas ligam por um momento, iluminando toda a sala com suas luzinhas coloridas. Mas antes que tenhamos a oportunidade de comemorar, o ambiente é tomado com um barulho forte que me faz gritar e fechar os olhos imediatamente. Quando finalmente os abro, apenas metade das luzinhas está acesa.
Eu tenho uma crise de riso. Combina bem com nossa decoração decadente. Ethan, por outro lado, está frustrado. Solta um milhão de palavrões por minuto, enquanto despenteia o cabelo.
Eu me aproximo por trás de seu corpo, deslizando as mãos pelos seus braços e ficando na ponta do pé para apoiar a cabeça em seu ombro.
-Parece que a magia do natal não tava muito a fim de acontecer.
-Ha Ha... muito engraçado, senhorita. - Seus olhos estão focados no porta retrato que deixo bem acima da lareira, talvez o notando pela primeira vez. Suas mãos pegam a foto e ele se senta no chão. Eu me sento ao seu lado. Observo seu perfil enquanto ele analisa cada pedacinho da foto. É a que mais gosto. Uma foto minha com meus pais e minha irmãzinha no natal do ano passado. Todos nós vestimos um gorro do Papai Noel. Liah está com o dentinho da frente faltando e sorri toda alegre, envolvendo o meu pescoço com seus bracinhos magros. Papai está do meu lado, vestido seu suéter verde de rena surrado e sorri para a mamãe, que tinha cortado seus cabelos claros para a ocasião. Eu estava olhando para os três, olhando como se eles fossem o meu mundo todinho. E eram.
Ainda são.
- Ela era linda. - Ethan diz, apontando para Liah. O verbo no passado não parece doer tanto mais. - Você tem o nariz da sua mãe, ainda bem.
Eu sorrio com a brincadeira. Papai realmente tinha o nariz um pouco avantajado, como o de Snape, em Harry Potter.
Ethan estende o braço, para que eu me encaixe ali, e eu me aconchego bem juntinho dele. Por um bom tempo, ficamos em silêncio encarando a foto.
- Não importava qual compromisso tivéssemos. - Eu digo, fazendo-o olhar para mim. - O natal era sempre sagrado. Eu sempre  acreditei que o natal foi feito para ser celebrado junto das pessoas que são especiais para nós, por isso dói tanto. Eles eram tudo para mim, Ethan, e agora eu estou sozinha.
Tudo o que eu menos queria era chorar, mas não consigo evitar. Ethan não diz nada, apenas oferece seu ombro para que desabe um pouquinho. Choro tanto quanto meu corpo permite, lavo cada sofrimento, os deixando ir. Ele, vez ou outra, com carinho, limpa um das minhas lágrimas com o torso da mão. Não diz nada, apenas fica ali, fazendo com que doa menos, cada vez menos.
Quanto finalmente o choro para, Ethan deixa o porta retrato no chão e se levanta, estende as mãos para mim e me ajuda a ficar de pé.
-Falta uma última coisa. - Ele diz, pegando uma sacolinha no meio de tantas outras. - o visco.
Não queria ter comprado, mas ele insistiu, disse que fazia parte do espírito natalino.
Vamos até a porta e eu o ajudo com o prego e o  martelo. Depois de umas dez tentativas, finalmente ele consegue. Fica torto, é óbvio, mas quem se importa quanto estamos nós dois bem ali debaixo, segurando nossas mãos?
Tem tanta coisa que eu gostaria de dizer a Ethan, assim como sei que outras tanta estão engasgadas ali no peito dele, porém apenas nos fitamos, como se decorássemos o rosto um do outro. Passeio pelos seus olhos azuis, passando pelas bochechas coradas pelo esforço; tem uma cicatriz bem no queixo e seus lábios rosados estão úmidos. Sinto suas mãos acariciando meu cabelo, contornando meu rosto, até seus dedos roçarem em meus lábios. Então eu sei, Ethan vai me beijar, bem ali, debaixo do visco, com toda nossa decoração torta de testemunha.
Eu juro, neste momento, não há nada que eu queira mais que sentir o gosto da boca de Ethan na minha.
Um barulho, fraco no início, mas que cresce à medida que tentamos ignorá-lo, nos tira desse momento especial. Procuramos até encontrar o celular de Ethan vibrando sem parar no chão da sala. Com certeza ele caiu quando o sobretudo foi jogado sem cuidado ali.
Ele bufa e da de ombros antes de se abaixar para atender ao telefone.
- Qual é, David? - Seu rosto antes relaxado e risonho vai se tornando cada vez mais fechado - Que? Como assim? Merda, merda, merda...
Ele sai pela sala procurando seu sobretudo e o suéter, enquanto murmura algumas desculpas para quem quer que seja David. Eu fico parada na porta, atônita, sem entender o que está acontecendo.
Ethan afasta o celular o suficiente para me dizer entre os dentes "reunião importante". É a aí que eu me lembro. A tal reunião que ele mencionou no almoço, a que era super importante para ele. Era hoje, não era?
Ah, Ethan.
Ele termina que pegar suas coisas, desesperado. Grita um "não se preocupe, estou indo para ai" para o celular e me encara.
- Lisa, eu sinto muito.- Ele já está passado pela porta nesse momento - Eu nem me lembrei dessa reunião, merda.
- Eu que peço desculpas, Ethan, acabei te distraindo... - Ele se vira e me encara serio.
- Não, Lisa, a culpa não foi sua, eu que acabei perdendo a hora e...
Não tem muito mais a ser dito. Tivemos um dia especial, e é isto. O empresário da Upper West Side com um passado terrível e a garotinha do Queen's que só queria comprar sua árvore de natal, realmente não passariam de um encontro ao acaso.
Porém, sinto como se Ethan tivesse entrado em minha vida como um tornado, se afastando dela também como um, mas, assim como todos os furacões, ele também deixa sua marca, como a decoração toda torta da sala e as luzinhas brilhando pela metade. A mais forte delas, entretanto, esta aqui, dentro do meu coração, que perde uma batida cada vez que ele se afasta um pouco mais.
Ethan me olha uma última vez, como se quisesse dizer algo, mas seu celular toca novamente e com um suspiro, desce as escadas. Quando o escuto bater a porta lá em baixo, ainda estou com a minha aberta, desejando em segredo, ou nem tão secretamente assim, que ele dê meia volta e entre por ela novamente.
Mas ele não volta.
Deve estar em algum táxi agora, passando a mão desesperadamente pelo cabelo, tentando arrumar uma saída para seu problema.
Sorrio ao pensar nele e de repente sinto que sorrirei todas as vezes que ele invadir meu pensamento, porque Ethan Lloroy foi o melhor que me aconteceu nesta vida, ainda que eu nunca mais o veja.

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