Prólogo?

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Quando você morre sua mente se dissolve e seu corpo e sua alma se tornam parte do universo sem que você esteja consciente sobre isso.

As últimas palavras da Suiko ficaram ecoando na cabeça de Lurien quando ele tentou voltar para o momento em que podia salvá-la. Infelizmente o plano de Rafael tinha sido arquitetado de forma meticulosa para que nenhuma manipulação temporal pudesse adiantar de nada, Lurien sempre voltava para o momento em que encontrava a irmã caída no chão do salão, banhada em sangue e com os braços e as pernas severamente machucados, segurando os últimos resquícios de vida para ver o irmão pela última vez. "Eu sabia que você viria" tossia ela, "É o fim da linha para mim, mas está tudo bem. Eu em breve serei uma com o universo".

Suiko viu o ambiente a sua volta escurecer, o rosto visivelmente exausto do irmão ficava mais difícil de enxergar e de distinguir das sombras a sua volta. Analisando o olhar distante dele, ela percebeu que ele finalmente havia aceitado que não conseguiria mudar o que aconteceu. Não podia chorar, pois já chorou muito das outras vezes. Não podia lamentar, pois lamentos não salvam vidas. Então as dores tomaram conta do corpo da menina; Sua respiração já estava bem arrastada, o pulsar do seu coração fraco não a sustentava mais, seus sentidos falhavam e sua satisfação em ver o irmão por uma última vez a convenceu em se deixar ir.

E como um vulto, tudo virou breu.

Por um instante Suiko se viu liberta. Não sentia mais nenhum dos males que há pouco a afligia. O primeiro instinto foi de abrir os olhos, mas logo percebeu que já estavam abertos; não enxergava nada, pois havia apenas escuridão, que aos poucos tomava forma.

Suiko estava em seu quarto, deitada na cama, olhando para o teto. Era madrugada. Balançou o olhar de um lado para o outro tentando entender o que havia acontecido. De objeto em objeto ela ia reconhecendo que estava realmente no próprio quarto; o cabideiro com várias roupas jogadas em cima, a escrivaninha de madeira prensada, as suas prateleiras e tudo que ela mesma um dia havia colocado lá. Sentou-se então, sacudiu a cabeça tentando de forma frustrada desvendar o que ela havia acabado de passar. "Fora tudo um sonho? Nunca tive um sonho tão vívido assim. Tão real..." pensava ela, "E por que logo Rafael? ".

Lembrar tão detalhadamente uma situação desesperadora como a do suposto sonho de que acabara de sair trazia calafrios como ela nunca havia sentido antes; preferiu então dormir. Escondeu-se debaixo das cobertas e tentou esquecer, mas se isolar do resto do quarto a fez sentir como se ouvisse a voz do irmão.

Suiko então se levantou da cama e pôs-se de pé no meio do quarto. Ela não sabia o quanto demoraria até o amanhecer, de pés descalços caminhou até a porta e a abriu com muito cuidado para não fazer barulho, seguiu pelo corredor até a porta do quarto do irmão, hesitou, encostou a orelha na porta, mas nada ouviu. Agarrou a maçaneta da porta com precisão e a girou vagarosamente, tentando suprimir todo ruído para evitar explicar o que estava fazendo para alguém que acordasse. Empurrou a porta, colocou a cabeça no vão e verificou que o irmão estava lá, dormindo, aparentemente em paz.

Já de volta no quarto, Suiko chegou à conclusão que não dormiria mais, esperaria o dia amanhecer meditando e purificando a mente. Quando a manhã chegasse ela teria um dia todo de treino no manejo da espada longa. 

RecomeçoWhere stories live. Discover now