Congrats on your luck

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Como está minha vida agora? Posso dizer que não mudou muita coisa. Continuo sendo Jeon Jeongguk, um híbrido de coelho que não conhece absolutamente nada do mundo, considerado inútil, vive em cárcere privado, serve de saco de pancadas e escravo sexual para um cara que acha que tem algum direito sobre a minha vida e que se diz meu dono como se eu fosse um maldito objeto. Acredito que a única mudança foi minha idade, vim parar nesse inferno com nove anos e agora tenho dezoito, metade da minha vida sendo preso e tratado como um nada.

Me sinto no mais profundo tédio, não há nada pra fazer nesse cubículo que chamo de casa. A luz foi cortada por falta de pagamento e a água está indo para o mesmo caminho. Provavelmente Kwan gastou todo o dinheiro que ganha trabalhando em jogos de azar, nos deixando à boa sorte. Não é como se realmente tivéssemos alguma.

Provavelmente fazem cinco anos que não saio de casa. Não me lembro como é a sensação de tomar sol, sentir a brisa fresca no rosto ou sentir a água molhando meu corpo em um banho de chuva. As únicas memórias que me restam são pequenos flashs de uma infância feliz ao lado dos meus pais, de uma boa escola onde tive bons amigos e também das piores partes da minha vida, como o assassinato de meus progenitores, o bullying e os primeiros abusos que sofri.

Não é como se minha capacidade intelectual fosse limitada como a maioria das pessoas dizem. Eu tenho a inteligência de uma pessoa normal, atitudes de uma pessoa normal e sentimentos de uma pessoa normal. O que me condena são as orelhas compridas no topo de minha cabeça e os dentinhos avantajados em minha boca, fatores que me taxaram como inferior desde que me conheço por gente. Tudo isso somado ao fato de não saber absolutamente nada do mundo onde vivo, me faz ser um nada na visão das pessoas.

Está de noite, por volta das onze e meia, estou sozinho como sempre perdido em meus devaneios. Ouço um estrondo vindo da sala e meu nome sendo gritado de maneira nervosa, o que me faz estremecer por saber o que me espera assim que eu colocar os pés no cômodo principal do lugar onde moro. Todo dia é a mesma coisa.

Levanto da minha cama improvisada em passos lentos e respiro fundo ao enxergar o perfil do homem que me criou desde que tenho nove anos. Abaixo a cabeça juntamente com minhas orelhas e vou para perto do mesmo, já tendo uma ideia do que virá à seguir. O cheiro de álcool que emana do seu corpo faz mal ao meu olfato sensível, mas evito fazer qualquer tipo de careta. Logo suas mãos começam à tocar meu corpo, me sinto sujo e a típica ânsia se faz presente dentro de mim. Quanto mais ele me toca, mais minha vontade de desistir de tudo aumenta. Ouço um barulho do lado de fora, está chovendo. Fecho os olhos e imagino como seria sentir a água caindo sobre meu corpo, levando embora todas as dores e mágoas, todo o sofrimento que esse ser asqueroso à minha frente me faz passar.

Observo a porta aberta e fico surpreso. Em todo esse tempo desde que os abusos começaram, Kwan sempre tratou de trancar a porta assim que põe os pés pra dentro da residência. Vejo a chuva caindo pela primeira vez em muito tempo. Uma vontade avassaladora de acabar com isso surge dentro de mim. Não é como se tivesse alguma coisa à perder, se eu falhar, vou receber uma surra e tudo vai voltar ao normal. E se conseguir escapar, vou poder pelo menos ter a sensação de sentir a chuva uma vez na vida e marcar essa sensação.

Olho a pequena mesa de centro e vejo uma garrafa de vidro vazia ali, Kwan está bastante distraído tocando em partes inapropriadas de meu corpo. Aproveito que meus braços são compridos e alcanço a garrafa. Penso no que estou prestes à fazer e vejo que já está tarde demais para desistir. A seguro acima de sua cabeça e abaixo com força quando ele tenta me beijar. O vidro se estilhaça e o homem cai desacordado no chão. Fico atônito por alguns instantes mas logo sigo para a porta em passos lentos, dou uma última olhada em seu corpo e saio no meio da chuva sem levar nada. Estou livre afinal, não quero nada que me lembre tudo o que passei. A sensação de ter a água escorrendo sobre mim me relaxa instantaneamente, fecho os olhos por alguns instantes e deixo a boca entreaberta, sentindo aquele abraço gelado me acolher.

Percebo que preciso me afastar o máximo que puder da casa onde morava. Mesmo que eu denunciasse Kwan por cárcere privado e todos os outros malefícios, sei muito bem que a polícia não faria nada à meu favor. Ainda que existam diversos programas e leis que defendem os híbridos, nada de fato funciona, já que a justiça não mexe um dedo para nos ajudar quando precisamos.

Ando lentamente com as orelhas atentas à qualquer barulho, as ruas estão vazias, não sei se me sinto aliviado ou preocupado. O frio já começa à se fazer presente e sei que preciso de um lugar seguro para passar a noite para procurar um local para ficar quando amanhecer. Caminho um pouco mais pelas ruas desertas e vejo um beco com um pequeno espaço coberto e decido que passarei a noite ali. Não tenho muitas opções e sinto um incômodo no nariz, provavelmente estou ficando resfriado.

Corro até o beco e vejo se o lugar está vazio, quando constato que sim, me encolho para tentar me proteger do frio e começo à fungar por conta do nariz entupido.

Penso em tudo que fiz, em tudo que passei e no que irei fazer agora. Não tenho ninguém por mim, não tenho para onde ir e não posso nem trabalhar para sobreviver. Sei muito bem que não aceitariam um híbrido que não sabe fazer absolutamente nada. Por mais que seja difícil, começo à pegar no sono lentamente e quando estou quase no estado inconsciente minhas orelhas se movimentam rapidamente por conta de barulhos de passos próximos. O nervosismo que não senti até agora aparece. Fico atento e me encolho ainda mais para me esconder de quem quer que esteja no mesmo ambiente que eu.

Tento ficar em silêncio e falho miseravelmente quando um espirro alto ecoa pelo beco. Dou um choramingo baixinho quando os passos se tornam cada vez mais próximos e eu já espero pelo pior quando sinto uma mão se apoiar em meu ombro. Fecho os olhos e só espero pelo primeiro chute ou soco. Nenhum dos dois vêm.

Tomo coragem para abrir os olhos e levanto a cabeça. Dirijo meu olhar para cima e dou de cara com um rapaz baixinho de cabelos em um tom rosado, o mesmo está tão encharcado quanto eu, mas não parece se importar muito com isso. Há algo diferente em si, não se parece com aqueles valentões que batem nos outros de madrugada como já vi nos poucos filmes que me eram permitidos. Parece que existe algo à mais. Preocupação? Pena? Está zoando com a minha cara? Não sei, minha única certeza é que continuo encolhido encarando seu rosto. Pareço um filhote com medo.

— Quem é você e por que tá nesse beco sozinho à essa hora da noite? — a voz não soa rude mas ainda continuo preocupado, sei que não posso confiar em ninguém.

Fugir de casa pra tentar ter uma vida melhor e acabar com um estranho em um beco na mesma noite. Parabéns pela sua sorte, Jeon Jeongguk.

I'll show you the world ¦ pjm+jjkWhere stories live. Discover now