Garota de Programa

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Não importa o que digam na cerimonia de casamento. Casais sempre acabam guardando segredos um do outro.

Era o caso de Adalberto e Ângela.

Eles haviam feito juras de amor durante o grande dia. Na frente do padre, prometeram que apenas a morte os separaria. Nos sete anos que se passaram desde então, asseguraram um ao outro que contavam tudo, cada coisa, tim-tim-por-tim-tim, nenhum segredo entre os dois.

Mas não era bem assim.

Adalberto, o Betinho, tinha quase certeza que Ângela cumpria a parte dela. Quase, entretanto, porque, vez ou outra, ele notava uma bolsa ou sapato de marca surgir na casa, assim, do nada, sem qualquer menção a compra na fatura do cartão de crédito. Ou então era aquela depilação caríssima, a nova fórmula que a cabelereira prometeu ser supereficiente, a viagem com as amigas de infância no final de semana. Ainda assim, ele ainda tinha certeza que era realmente ao Pilates que ela ia durante as manhãs três vezes por semana, que era o grupo de colegas da faculdade que encontrava nas noites de quinta-feira, e que o dinheiro que ela tanto gastava era mesmo em produtos orgânicos naquela loja cara e descolada que surgiu no bairro, e que ela jurava de pé junto ser a salvação para medicina moderna.

Vejamos, agora, sob a perspectiva da mulher.

Ângela havia notado que seu marido, assim como a maioria dos homens, tinha grandes problemas para se expressar. Era aquela coisa; quando precisava falar sobre seus sentimentos, dar uma pequena discutida na relação, Betinho sempre travava, fingia pressa, dizia que tinha que trabalhar, mesmo quando ela sabia que faltavam mais de duas horas para seu expediente começar no escritório. Não que ela desconfiasse que Betinho mentisse, nem nada. Betinho não tinha segredos para a mulher, ela dizia. Ela sabia que era só uma questão de expressar os sentimentos. De inexistência, no caso dele.

Pelo menos era isso o que Ângela pensava.

Depois de sete anos, houve uma crise. Uma crise na cama, para ser mais específico. Ângela não era lá uma mulher muito fogosa, mas gostava de uma brincadeirinha de vez em quando, ao menos uma ou duas vezes por semana, o que ela já considerava suficiente para aliviar o estresse do trabalho e relaxar antes de dormir. Na segunda-feira, ela sempre procurava. Acontece que, durante a tal crise, Betinho simplesmente não quis saber dela. Isso mesmo, o maridão não procurava mais a dona na cama. Chegava do trabalho, jantava, assistia ao jornal e a um filme, e corria para cama. Estou cansado, ele dizia. Vou capotar.

A mulher, no começo, pensou que era isso mesmo, que se tratava de fadiga, que deveria ser o novo projeto no escritório, o chefe mala, as horas extras. Deixou passar. Semanas depois, porém, Ângela começou a sentir falta. Vira e mexe, ela chegava à cama de mansinho, fazia um carinho, alisava o marido, dava a entender o que queria. Ele se fazia de dormido e até um ronco forçava, ronco este que ela sabia ser falso no primeiro segundo, devido à autenticidade que quase uma década de casamento e noites mal dormidas havia proporcionado.

Ela acabava desistindo. Cada noite era uma nova tentativa, mas o marido sempre escapava.

Até que um dia Ângela se cansou, porque tudo tem um limite. Até mesmo os meses sem sexo.

– Betinho, o que está acontecendo?

– Do que você está falando, amor?

– Disso, Adalberto. De você só usar essa cama para dormir.

Ele foi obrigado a abrir os olhos e dar atenção à mulher. Quando ela o chamava de Adalberto, era porque a coisa tinha ficado seria.

As Mentiras que os Honestos ContamWhere stories live. Discover now