O Aniversário da Avó

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Estava chegando. Faltava pouco para o aniversário da avó Zilda. O tempo passou rápido, e ela completaria noventa anos. Poucos passavam dessa idade, então deveria haver uma grande festa. A família inteira pensava assim. A velha era querida por todos, então era melhor preparar logo o festejo.

Quando anunciaram a intenção, a família inteira aprovou. Depois de tantos anos cuidando de todos e dando bons conselhos, a avó Zilda merecia uma homenagem. Os netos se animaram. A nora se propôs a fazer as sobremesas. Seria na casa do filho Rafael. Nessa idade, nada melhor do que não precisar sair de casa.

Surgiram muitas ideias. Um carro de som com uma mensagem, seria alto o bastante, e a velha com certeza ouviria. Logo alguém discordou. Ela não gostava de bagunça. Melhor alguém fazer um discurso; uma mensagem cheia de palavras bonitas, que podia ser de algum escritor culto, de preferência falando sobre a longevidade e a vida. Tocariam as músicas preferidas da avó; o neto baixaria da internet músicas antigas da juventude dela, que hoje já não se vendem em nenhum lugar. Poderia haver uma dança. Valsa, quem sabe? Passariam um slide no telão; muitas fotos de todas as épocas da sua vida em ordem cronológica, com uma música suave ao fundo. Depois do jantar, os parabéns. Um bolo clássico, nada muito moderno. O sabor, claro, deveria ser do agrado da dama da

noite: baunilha.

Quando perceberam, já eram muitas pessoas a serem convidadas. A casa não teria espaço suficiente, uma vez que muitos equipamentos precisariam ser encomendados. Alugariam um restaurante ou um salão. Pesquisaram os preços. O salão seria maior, mas deveriam fazer toda a comida e a decoração. Melhor um restaurante, pois era só pagar e estava tudo resolvido.

O gerente do restaurante avisou: uma reserva tinha de ser feita para saber quantas pessoas iriam e quanta comida seria necessária. Foi então que Rafael, o filho que organizava tudo, começou a ligar para os parentes, um por um, para confirmar quem, de fato, compareceria.

Escolheram um dia com um mês de antecedência, mas logo descobriram que não era uma boa data. O filho mais novo tinha uma viagem marcada na data. Adiaram para a semana seguinte; também não era possível, já que a neta mais querida da avó tinha compromisso na faculdade. Remarcaram outra vez; agora com quase dois meses de antecedência. Não deu; um dos primos tinha um casamento marcado em uma cidade distante no mesmo fim de semana. Outra vez, quase três meses depois; infelizmente, a filha mais velha, que era advogada, tinha uma audiência.

Quando chegaram a uma data, quase quatro meses depois, todos concordaram que a festa não faria mais sentido. O aniversário já teria passado há muito tempo e não haveria mais graça. A vó estaria com noventa anos e quatro meses. Isso sem falar que ninguém sabia os compromissos que teria em quatro meses. Seriam férias de verão e muitos viajariam. Então, encontraram a melhor opção: a festa de aniversário seria adiada para o próximo ano, no aniversário de noventa e um. Bem melhor. Com um ano inteiro pela frente, todos teriam tempo de se organizar com calma.

O tempo passou, a avó Zilda ouviu muitas promessas, vários planos e opções de cardápio. No fim, entretanto, teve de se contentar ao ouvir do filho que a grande festa só seria feita no ano seguinte. Ela ficou triste. Passaria mais um ano inteiro em casa, sonhando com o dia em que veria toda a família reunida ao seu lado. Até lá, esperaria a visita de um ou outro parente enquanto olhava televisão. Seriam apenas mais doze meses de espera para ver todo mundo outra vez.

Três meses depois, um por um, todos os familiares receberam outra ligação. Dessa vez, nada de assunto de festa.

Agora era sobre o velório. A avó Zilda morreu dormindo, e os médicos disseram que foi de causa natural.

Morreu sem ver a festa.

No velório e no enterro, que foram marcados em apenas algumas horas, todos os parentes deram um jeito de comparecer.

O FIM

As Mentiras que os Honestos ContamWhere stories live. Discover now