Something Bad

37 5 20
                                    


Tallora desconfiava de que um dia isso aconteceria. Não sabia quando, como ou onde, mas sabia que aconteceria.

Sua mãe a alertara fazia muitos anos. Tallora se lembrava da mulher de olhos sábios e desconfiados. "Eles não gostam do nosso sangue" dizia ela. Tallora ainda era menina e não entendia o que ela lhe queria dizer. Tinha amigos na vila, brincava com todas as crianças. A mãe as ajudava quando ficavam doentes e nunca cobrava nada por aquilo.

As duas viviam sozinhas. Tinham a própria horta, algumas cabras e ovelhas e isso era o suficiente para se alimentarem. 

Após algumas estações, Tallora começara a perceber o que a mãe queria dizer. Seu olhar já não era mais inocente como o de uma criança. Ela via como pessoas as olhavam quando saiam das casas de família, após medicarem as crianças doentes com poções que traziam. Não eram olhares de gratidão. Era outra coisa.

Um dia sua mãe saiu para mais uma dessas visitas. Tallora, que já tinha idade suficiente para tomar conta da casa, ficara de dar comida às cabras, tecer mantos com a lã das ovelhas, preparar a sopa, que amava ver borbulhar no caldeirão. Ela deixaria tudo pronto para a mãe, assim que ela voltasse.

Assim que ela voltasse.

O que nunca aconteceu.

O que se dizia na aldeia era que ela havia feito algo ruim para ter desaparecido. Tallora nunca havia visto a mãe fazer algo ruim. Mesmo desconfiando dos homens, Andrya sempre tinha sido boa demais para se recusar a ajudá-los quando precisavam.

Depois de passar dois dias sozinha, Tallora escutou batidas na porta. Ela se escondeu quando homens entraram na casa. Sussurravam entre si :

"A criança não está aqui."

"Temos que encontrá-la"

"Provavelmente uma bruxa"

"Igual a mãe".

Depois de revirarem potes de grãos, mexerem nas ervas secas, penduradas, todos saíram e fecharam a porta. Tallora ainda estava encolhida no meio das ovelhas, quando a ouviu se abrir novamente.

"Tallora" ela ouviu alguém dizer em voz baixa. Era uma voz feminina. "Sou eu. Tia Cadence."

A irmã de sua mãe! Tallora apertou os olhos fortemente, sentindo lágrimas de gratidão e alívio. Não ficaria mais sozinha. 

Ela saiu de onde estava e deu a mão à mulher misteriosa.

"Vamos querida. Preciso lhe contar uma coisa."

---

Alguns anos se passaram. Tallora havia se transformado em uma mulher deslumbrante. Seus cabelos loiros estavam compridos o bastante para que ela os enrolasse em galhos e flores. Ela chamava a atenção de vários homens do vilarejo. Tallora pensava que nunca se deixaria levar, não depois do que havia acontecido com a sua mãe. Mas estava enganada.

Em nenhum livro de preparos e plantas, Tallora havia lido sobre aquilo. Quando conheceu James, seu coração queimou mais do que a lenha que usava para fazer a sopa ferver. Ele era gentil. Dizia-lhe que ela era a criatura mais bela de todos os reinos pelos quais ele já havia viajado. Trazia flores colhidas através de suas andanças com seu cavalo Savior, cujos cascos eram revestidos com prata. James dizia que era para encontrá-lo na escuridão, já que seu pelo era tão negro que se confundia com a própria noite.

Um dia James se despediu e Tallora entrou em casa, afim de preparar o caldo para jantar. Acostumada com o silêncio, ela facilmente percebeu quando começaram a cercar a casa. Vozes se tornavam cada vez mais próximas. Ela olhou através da janela e viu quando pontos de luz se transformavam em tochas. Seus olhos se arregalaram. Um homem arrebentou a porta. Era James.

Something BadOnde as histórias ganham vida. Descobre agora