Capítulo Dez

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Tive o mesmo sonho que havia tido na noite passada antes de ser acordado aos gritos por minha mãe. 
— Vamos, temos que sair cedo para aproveitarmos o final de semana em Santos, meu filho! — Ela disse entrando no quarto e acendendo a luz, ofuscando minha visão e me fazendo acordar de imediato, meu sono era bem leve.
Me levantei com dificuldade, me arrumei ainda pensativo sobre o sonho, por algum motivo, dessa vez, o sonho me fez lembrar de tia Ketlyn.
Eu ainda me lembrava muito bem dela, e de seu marido, meu tio Gabriel que sempre foram bastante presentes na minha infância.
Minhas lembranças com ela sempre foram relacionados a momentos felizes, não fazia sentido eu a assimilar com aquele sonho.
Terminava de me arrumar quando lá fora já ouvia meu pai buzinando insistentemente.
— Se arrume logo, temos que sair antes das seis horas! — Ele disse gritando, provavelmente acordando todos os vizinhos.
Lavei as mãos cerca de sete vezes, eu não estava a sentindo limpa. Olhei meu braço e o vi bastante vermelho, eu havia o esfregado muito no dia anterior devido o que tinha acontecido.
Mas quando eu olhava para meu braço apenas conseguia abrir um sorriso, por mais que me sentisse envergonhado por ter saído correndo naquele momento, me lembrar dos olhos azuis que me fizeram esquecer das bactérias por poucos segundos me deixava contente.
Sai do banheiro com um papel higiênico para abrir a porta, peguei minha mochila, onde além de roupas tinha um grande estoque de álcool em gel, e em seguida sai, indo até o carro, onde meus pais me esperavam, já impacientes.
— Finalmente a donzela saiu de seu castelo! — Meu pai disse impaciente mau esperando eu entrar no carro e já pisando no acelerador.
— Você realmente demorou muito, meu filho. — Minha mãe disse olhando para trás com um sorriso sem graça tentando amenizar a situação. 
— Me desculpem. — Disse abrindo minha mochila para ter certeza que levava o álcool em gel. — Eu estava lavando minhas mãos. 
— Até hoje com essa viadagem, pelo amor de Deus! — Estenio disse enfatizando o "Deus" e me olhando pelo retrovisor.
— Para! — Ouvi minha mãe cochichando. 
Não dei moral para ele, apenas coloquei meus fones e comecei a ouvir Sleeping At Last, aquelas melodias me deixavam calmo, e me faziam esquecer do resto do mundo e de todos os problemas que eu tinha.

"Eu não pude evitar pedir
Para que você dissesse tudo de novo
Tentei escrever
Mas eu nunca consegui achar uma caneta
Eu daria qualquer coisa para ouvir
Você dizer mais uma vez
Que o universo foi feito
Só para ser visto pelos meus olhos
Com falta de ar, eu vou explicar o infinito
Quão raro e bonito é realmente existirmos"

Ouvia esse trecho enquanto olhava lá fora, vendo o dia nascer enquanto olhava meus pais conversando no "mudo", o mundo lá fora estava desligado, eu apenas ouvia as vozes de minha mente acompanhadas por aquela melodia, e enquanto olhando para o céu eu via as estrelas desaparecerem, eu apenas me lembrava dela.
  Estava viajando em meus pensamentos já com quase uma hora de viagem quando o carro parou bruscamente no acostamento.
— O que houve? — Disse tirando meus fones e vendo meu pai tirando o sinto de segurança, parecendo insatisfeito. 
— Inferno! — Ele disse saindo do carro, sem me responder.
O observei indo até um dos pneus de trás, olhei para minha mãe e vi que ela cochilava, a encarava quando ouvi meu pai batendo com força no vidro.
Abaixei o vidro e observei que ele estava vermelho, provavelmente furioso.
— Desce aí, o pneu furou, preciso de você para me ajudar a trocar. — Ele disse rapidamente já indo para trás do carro pegar o pneu reserva sem esperar por uma resposta minha.
Abri a porta fazendo minha mãe acordar no susto.
— O que aconteceu? — Ela disse com voz de sono.
— O pneu… — Eu disse saindo, sem completar o que estava falando.
Desci do carro, ainda estava um pouco frio, me aproximei de meu pai que estava pegando o pneu reserva.
Eu nunca havia trocado o pneu de um carro, aliás nunca havia me interessado muito por carros, enquanto na infância as crianças da minha idade pediam carrinhos da hotwheels, eu pedia livros do Harry Potter ou até mesmo, um pouco mais velho, o meu primeiro violino, e acho que essa falta de interesse por coisas que meu pai gostava, nos fez ficarmos tão afastados.
— Pega o macaco lá no carro. — Meu pai disse colocando dois tijolos na dianteira e traseira da roda.
Fui até o carro e procurei o macaco, era em momentos como esses que me sentia completamente inútil.  As vezes por mais que eu soubesse o que era o macaco, eu me sentia
inseguro o suficiente de no caso levar a ferramenta errada e caçoarem de mim ou com meu pai ser repreendido.
Eu encontrei o macaco dentro do carro e fui até minha mãe.
— Esse que é o macaco, não é? — Eu sabia que era, mas me sentia inseguro.
Ela fez que sim com a cabeça e eu voltei até meu pai.
— Pensei que estava fazendo o macaco, demora do caramba. — Ele disse indo sem olhar pegar no macaco, mas por não estar olhando ele acabou encostando no meu braço, o que fez eu deixar cair pelo susto.
Ele me olhou sério. 
— Eu já falei para parar com isso! — Ele se levantou, e encostou no meu braço novamente. — Não vai acontecer nada, para com essa viadagem!
No segundo toque eu me afastei, me lembrei de todos os lugares que ele pegou, o estepe, o macaco, o volante, me lembrei dele escarrando no caminho e também comendo um sanduíche antes de sairmos, tudo sem lavar as mãos em momento algum.
Fui até o carro rapidamente e peguei uma garrafa d'agua a qual levávamos para beber, e joguei em meu braço onde ele havia encostado, passando um sabão líquido que trazia no bolso e em seguida secando com papel toalha. 
Voltei até onde ele estava, e ele já terminava de trocar o pneu.
— Não preciso mais da sua ajuda. — Ele se levantou me encarando. — Eu devia ter te deixado em casa, lá onde é o seu mundinho secreto, pelo menos assim eu não teria vergonha dessas suas manias idiotas perto das outras pessoas. — Ele disse se afastando de mim.
Entrei no carro novamente, segurando as lágrimas que queriam descer a todo custo, coloquei os fones.
Logo meu pai entrou e prosseguimos a viagem, eu os vi então discutirem, minha mãe brigava com ele pelas palavras que ele havia
dito, mas eu preferi não os escutar, e vi discutindo no "mudo" enquanto ouvia música. 
Aquela seria uma longa viagem.







O TOC DA ESTRELA (2018)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora