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Uma conversa dolorosa

Aaron estava impaciente, irritado, praticamente um animal arredio preso em um quarto pequeno. Iani por sua vez, não ousava sair da cama, ela apenas observava sua companhia subir pelas paredes enquanto respirava fundo para não fazer o mesmo.

—Quando eu sair daqui...

Mesmo tentando ignorar os resmungos, Iani estava preocupada com Aiko. Irritar o irmão mais velho daquela maneira não ia acabar bem para o lobinho.

—Ficar andando de um lado para o outro não vai resolver nada, sabia?

Mesmo tendo escutado, Aaron preferiu ignorar. Irritada com toda a situação, Iani se colocou de pé e dessa vez o homem em seu quarto finalmente parou para encara-la nos olhos.

—Já chega! Ao invés de ficar resmungando igual uma criança por que não sentamos e conversamos, assim resolvemos logo essa situação!

Os olhos dourados brilhavam, primeiro surpresa, depois incredulidade até o fio da raiva surgir. 

Em silencio os dois se encaravam fixamente, mas dessa vez Iani não conseguia sentir o mesmo encanto pelos olhos que, dias outrora, a hipnotizavam. 

Tomando coragem, a jovem se pronunciou mais uma vez quebrando a quietude do quarto.

—Também espero que não ouse fazer nada com Aiko quando sairmos daqui.

—Como?

—Você ouviu bem — ela franziu o cenho cruzando os braços sobre o peito — Seu irmão nos trancou nesse quarto por nossa própria culpa.

O silencio do líder de olhos dourados parecia mortal, mas mesmo assim, Iani continuou.

—Se não nos evitássemos tanto, ou tivéssemos conversado com ele, não teria acontecido nada disso.

—Com meu irmão entendo eu, não tem nada que se meter.

O sangue de Iani fervia aos poucos.

—Mesmo? Acho que já esqueceu de quem cuidou do Aiko quando ele foi parar no meu mundo.

Aaron deu um passo a frente, mas a jovem continuou onde estava sem se abalar pela aproximação repentina.

—Acha mesmo que entende o que se passa aqui? Mal convive com os outros lobos e acha que pode se intrometer nos meus assuntos familiares?

—Eu não preciso entender nada para saber o quanto Aiko se importa com o irmão, mas o que ele recebe em troca? Sua ignorância!

—Aiko está sob meu cuidado não o seu, então apenas fique quieta no seu canto.

—Aiko esta mesmo sob seus cuidados? Então porque ele fugiu para outro mundo? Será que o grande líder não consegue proteger sequer sua família?

Os olhos de ambos estavam carregados de raiva.

—Maldita hora que a aceitei...

—Eu não pedi para ser aceita.

—Oh, é claro! Você preferia sua vida de antes! Como era mesmo? Sozinha em uma aldeia onde ninguém se importava com sua presença, vivendo em um casebre no meio do nada, onde os outros tinham medo de se aproximar?

Aquelas palavras eram como um punhal atravessando o peito de Iani, abrindo novas feridas e deixando as outras expostas, mas ela se manteve firme, até porque, sabia que era a responsável de ter começado aquela discussão.

—E as coisas são diferentes hoje?

Silêncio.

—Que eu saiba apenas Aiko me aceitou sem nenhum problema, e você...

—Eu também a aceitei, até descobrir que tipo de pessoa você é!

O grito repentino fez com que Iani se encolhesse.

—Vocês humanos são todos iguais, sempre em busca de mais, mais, e mais! Nunca estão satisfeitos não é mesmo?!

—Eu não-

—Não bastava ter a mim? Não era o suficiente?!

Os raios de sol atravessavam as cortinas iluminando o quarto, mas nem isso trazia beleza a atmosfera dali.

—Não! Não bastava, por isso ainda seduziu Dav-

Sem que ele esperasse, Iani deu um passo à frente, os olhos abertos, brilhantes por conta das lágrimas que caiam quando sua mão acertou o rosto dele em cheio. 

Um silencio doloroso preencheu o cômodo. Nenhum ousou encarar o outro. No momento, a única coisa que existia entre Iani e Aaron era a mais pura culpa e decepção. 

—Iani eu...

Depois de um bom tempo calados, a voz baixa de Aaron foi a primeira a surgir, no entanto, logo foi interrompida por um som abafado que vinha do outro lado da porta.

—Aiko, por favor, não é assim que fará dois adultos se entenderem.

—Mas...

—Eles devem conversar sim, mas não trancados como prisioneiros.

A porta se abriu e Iani teve o espanto de ver Dave parado do outro lado. Todos ficaram sem reação. Até mesmo o pequeno lobinho que estava atrás das pernas do homem de olhos verdes parecia entender o clima pesado que o ambiente se tornou.

—Tudo bem com vocês? Aiko me disse o que estava acontecendo mas...

—O que veio fazer aqui Dave?

A voz de Aaron se tornou grave e áspera.

—Falar com você — mesmo que tentasse disfarçar, o segundo líder não conseguiu esconder o desconforto em sua voz.

—Não temos nada a ser tratado, agora saía das minhas terras.

Um longo suspiro preencheu o cômodo.

—Acha mesmo que eu viria até aqui apenas para ser expulso?

Os dois pares de olhos místicos pareciam cada vez mais irritados enquanto Iani apenas os observava sem fazer nada.

—Não, com certeza eu não viria.

Mesmo que estivesse sorrindo, a postura de Dave mostrava seu comportamento autoritário, que, naquela situação, se colocava de igual com Aaron.

—O que tenho para falar é algo urgente e de extrema importância não apenas para mim.

As duas esmeraldas possuíam um brilho diferente do que Iani se lembrava, havia preocupação escondida naqueles olhos. E pelo visto, ela não foi a única a notar.

—Vamos até minha sala.

Aaron saiu na frente e nem se deu ao trabalho de olhar para Aiko. O pequeno lobo não sabia se ficava aliviado com aquilo ou preocupado por seu castigo apenas ter sido adiado, de qualquer forma, logo em seguida Dave o acompanhou mas sem deixar de dar uma olhada em Iani, dessa vez, com um sorriso nervoso que, consequente, a deixou nervosa também.

Lobos na floresta | Livro 1 (Repostando)Where stories live. Discover now