Capítulo XXV - Cinta-liga cor-de-rosa

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Antes que pudesse terminar a frase, a gesticulação nervosa de Marieta fez com que ela derrubasse da escrivaninha uma garrafa de conhaque que estava pela metade. O vidro estraçalhou-se pelo chão causando um barulho alto que fez as duas estremecerem. Marieta pareceu entrar em choque por um momento. Afastou-se da mesa segurando a liga de cetim com força, com os olhos distantes que começaram a não reter mais as lágrimas. O cheiro da bebida invadiu o cômodo. O ar começou a lhe faltar e sua respiração ficou cada vez mais difícil.

– Marieta... – Helena foi ao encontro da amiga para acalmá-la.

– Não encoste em mim! – Gritou Marieta, alterada, encolhendo-se na parede.

Helena assustou-se com a reação de Marieta. Ela pareceu entrar em um estado de puro pânico por alguns segundos. Aquilo rapidamente transformou-se em soluços e lágrimas. Marieta deixou o peso do próprio corpo conduzi-la ao chão e deslizou pela parede até se sentar no carpete e continuou a chorar com a cabeça enterrada nos joelhos. Helena abaixou-se e passou a mão gentilmente sobre os cabelos da amiga.

– Nêta, fale comigo, por favor. – Pediu Helena, de maneira suave. Marieta levantou o rosto, revelando a face inchada e coberta de lágrimas.

– Ele foi até a casa dos meus tios para pedir minha mão em casamento. – Disse Marieta, olhando para o nada. Mais uma vez, Helena não tinha certeza se estava falando com ela ou consigo mesma. – Eu estava na escola. Era meu aniversário de dezoito anos. Quando cheguei em casa, ele não estava mais lá, mas haviam flores pela sala inteira. Aquela sala horrorosa daquela casa horrível em Madureira. – sorriu – Não me lembrava de ter estado tão feliz desde que meus pais morreram.

Helena, ainda silenciosa, escutava o desabafo da amiga. Enquanto ela ardia de raiva, Marieta parecia falar de Lourenço com carinho e melancolia. Era incompreensível para ela.

– Eu estava tão nervosa em nossa noite de núpcias, achei que fosse desmaiar. – riu – Minha tia apenas me disse para abrir as pernas e segurar o choro caso doesse, pois, de resto, ele saberia o que fazer. Eu estava desesperada. Ele beijou minha testa e me disse que estava tudo bem, que dormiria no sofá aquela noite. Me senti um fracasso... Passei a lua-de-mel inteira tentando controlar os nervos. Uma noite chegamos perto, mas na hora não consegui. Ele dormia no sofá enquanto eu me chorava baixinho na cama por não conseguir ser mulher para ele. Deus, como me sentia estúpida.

– Querida, mas isto é perfeitamente normal. – Disse Helena, confusa em relação ao motivo pela qual a amiga falava aquilo, mas sentia necessidade de confortá-la. – Eu também estava nervosa em minha noite de núpcias e se quer era minha primeira vez. Acontece...

– Quando voltamos de Lisboa – prosseguiu –, eu estava envergonhada. Eu não estava casada! Não conseguia cumprir com as minhas obrigações e aquilo me devastava. Mas ele não parecia se importar. As flores, os presentes, os beijos... Tudo continuava. Comecei a encarar isso como prova de amor. Estávamos vivendo juntos há dois meses quando fomos em um jantar na casa do irmão dele. Foi tão divertido aquele jantar. – sorriu entre as lágrimas – Nunca me esquecerei. Tomei mais champanhe do que deveria naquela noite. – riu – Quando chegamos em casa, eu saí do carro e me estabaquei no chão, rindo como uma boba. Ele me carregou até o quarto como no dia do casamento, rindo também. Ele tinha um sorriso tão bonito... Naquela noite eu tive certeza que o amava de todo coração. Finalmente deitei-me com ele. Foi maravilhoso. Ele disse que me amava. Eu o amava ainda mais. No dia seguinte, eu acordei com uma enxaqueca horrenda por causa da bebida. – riu – Mas me sentia a mulher mais feliz do mundo.

Helena estava a ponto de chorar ao ouvir aquelas palavras tão cândidas da boca da amiga cujas lágrimas já estavam secas. Sabia que, por trás de toda aquela ternura, havia uma dor imensurável que ela mesma era incapaz compreender, mas podia sentir com clareza.

Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora