Capítulo V - Casa de campo

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Vitória adorava Helena, sua prima favorita – a única com idade suficiente para que fizesse amizade daquela forma. Trocaram milhares de cartas nos últimos dez anos – em muitas, por volta da metade dessa década, Vitória pedia à prima para que fosse estudar na Europa com ela. Não somente havia a oposição dos pais, como o fato de que Helena estava apaixonada e apressada para se casar com Sebastian. Vitória não poderia desaprovar mais a atitude da prima, mas a própria parecia feliz e satisfeita com o marido meio bobo e os filhos graciosos. Apesar da vida doméstica que levava, era uma mulher espirituosa e com muitos interesses alheios ao lar. Era benfeitora de diversas fundações arqueológicas e gosta de colecionar artefatos antigos, mesmo que tenha optado por não levar isso como profissão, como fez a prima. Embora não tenha estudado, era muito culta. Lia o jornal toda manhã, gostava muito de filosofia e política e tinha sempre uma meia dúzia de intelectuais dos mais diversos meios em sua sala para debater variados assuntos. Vitória tinha dúvidas quanto à paixão de Helena pelo marido, acreditava que não tivesse sobrevivido ao tempo, mas ela sempre se mostrara muito satisfeita com a escolha que fez.

– O dia hoje está uma delícia, não achas? – Perguntou Helena, enquanto ela e a prima bebiam champanhe ao meio-dia na sala de estar.

– Com certeza! Eu adoro o clima em Petrópolis nesta época do ano. – Respondeu Vitória, jogada no sofá em uma posição não muito elegante, enquanto observava os filhos da prima brincarem no jardim com a babá.

– Creio que te lembra a Inglaterra.

– Não exatamente. Acho aqui melhor, não há nada pior do que o clima no Reino Unido.

– Nem o calor absurdo do Rio?

– Para que já enfrentou o calor do Egito, o Rio é uma brisa fresca. Além do mais, a Praia de Copacabana está sempre à disposição.

– Ainda não creio que estás aqui, prima! Não sabes o quanto eu queria passar um tempo assim contigo.

– Senti muita saudade também, Lena! Mas agora vou ficar aqui indefinidamente, tenho certeza que enjoará de mim.

– Jamais! Quem mais beberia champanha comigo na hora do almoço?

As duas riram, levemente embriagadas pela primeira garrafa do dia. Apreciavam demasiadamente a companhia uma da outra. Eram absurdamente diferentes, mas a conexão que tinham era inigualável.

– Então, ficarás mesmo no Rio?

– Temo que sim. Gosto muito daqui e agora tenho, enfim, algo o que fazer.

– Abandonar tua vida de viagens, pesquisas e estudos não deve estar sendo fácil, não é?

– Ah, Lena, é complicado. Não irei abandonar nada, continuarei trabalhando por aqui e me comunicando com meus colegas na Europa e fazendo novos. Não estou exatamente triste por voltar, eu sobrevivi a uma guerra e quatro expedições arqueológicas. Vivi o bastante para apreciar e, talvez, merecer um descanso.

– Descansar eu acredito que não irás, Vitto. Tens um negócio complicado para administrar e estarás cercada de muitos homens imbecis para lhe tirarem o sono.

– Cercada de homens imbecis eu sempre estive, prima. Pelo menos agora eu perderei o sono numa cama em um quarto silencioso, não numa rede em uma tenda ao som de picaretas ou tiros.

– Ah, então estás pronta para uma vida sossegada, prima? – Disse Helena, soando um pouco maliciosa.

– Eu não gosto do teu tom. – Respondeu Vitória, suspeita.

– Ué, que tom? Eu não disse coisa alguma... Só estou feliz por estar satisfeita com tua nova vida.

– Helena...

– Sim?

– Eu não quero me casar.

– Eu não disse nada sobre casamento, quem está falando é você!

– É sério!

– O que tens contra casamento, Vitória?

– Nada! Apenas não sinto que estou pronta para ficar sob o domínio de um homem pelo resto da vida ainda.

– Ah, sim. Olhe para mim. Pareço dominada por um homem, querida?

– No tempo certo, eu finalmente casar-me-ei com um idiota de bom coração como fez tu, garanto-lhe. Mas não tenho tempo e nem paciência para arcar com os desgastes emocionais de uma relação por enquanto.

– Não se iluda, prima, jamais suportaria casar com qualquer espécie de Sebastian, conheço-te! Eu só aguento por conta de muito amor envolvido. E que tempo certo é esse? Sem querer ser rude, mas estás com quase trinta!

– Qual é o problema de se estar com quase trinta? Credo, falam como se eu estivesse à beira da morte. – riu – E é bom que me case velha. Posso tolerar um homem que se case pelo meu dinheiro, mas pela minha aparência, jamais!

– Irás mesmo persistir nesta vida de amantes passageiros e casos escondidos, Vitto?

Vitória assentiu com a cabeça enquanto dava a última golada em sua taça.

– Bem, então ficarás muito triste em saber que minha amiga Marieta e seu belíssimo irmão caçula estão vindo para cá amanhã.

– Irmão de Marieta? O piloto?

– Sim, Benício. Um ótimo rapaz, não sei se está lembrada dele, o conhecera em São Paulo em vinte e dois.

– Lembro-me, sim. Rapaz, Helena? Até onde sei é mais velho que eu, deve ter mais de trinta já.

– Enfim, é solteiro. E acredito que está ansioso para ver-te novamente. Além de tudo, é muito bonito e muito agradável.

– Parece que estás descrevendo uma casa de campo.

– Ah, querida, se já não fosse casada, não me importaria nem um pouco de morar naquela propriedade rural.

– Credo. – riu – De qualquer forma, terei que decepcionar teu rapaz com relação a casamento e afins. Mas, se ele permanece como me lembro, não terei problemas em lhe fazer companhia durante a noite.

– Vitória, eu tenho crianças em casa!

– Pois bem, há um hotel próximo daqui.

– Quer parar de ser depravada e tentar conhecer um homem sem planos de sumir da vida dele no dia seguinte?

– Depravada? Não faço absolutamente nada desde que cheguei no Rio. E não é como se a minha vida na Inglaterra tivesse muito glamour.

– Espere. Desde que chegou no Rio?

– Sim.

– E tua parada em Salvador?

– Bem...

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Castro e SouzaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora