Um Homem Honrado

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Uma sucessão de acontecimentos inesperados, definiria bem o jantar. Ainda com todos os sentimentos em conflito, no primeiro toque da sineta para o jantar já estava pronta. A dúvida  estava em voltar a encontrá-lo, mas que tolice, eu estou hospedada na propriedade dele. Como em nome de Deus em algum momento não acabaria por esbarrar nele?!? Repreendi-me por abandonar o senso prático, algo que sempre me foi inerente.

Encontrei Penelope fora do quarto, e decidimos descer ao salão juntas, sempre gostei de Penelope, acho que somos parecidas, ambas sem expectativa de casamento à vista, ambas preferimos nos manter nos cantos dos bailes na companhia das matronas e viúvas, sem nenhuma fortuna para chamar de sua... A conversa com ela não é entediante e rasa, ela fala o que lhe dá vontade e se recusa a deixar-se abater.

Ao chegarmos ao salão avistei-o, magnífico, em seu traje de noite, recebendo os convidados, circulando com a elegância de quem nasceu tendo todas os desejos atendidos. Tratei de desviar meus olhos de sua figura, uma coisa era começar a nutrir um sentimento desconcertante pelo Visconde, outra completamente diferente seria demonstrar tal sentimento. Sentia sua presença em minha pele, ainda que meus olhos estivessem longe dos seus.

Para nosso desgosto- meu e de Penelope - Cressida Cowper nos impôs sua presença, e como sempre esta não era agradável. Suas palavras escorriam veneno, Penelope era seu alvo. Quando chamou Grimston, que é tão rude quanto ela, senti a tensão no corpo de Penelope. Não entendo como podem haver pessoas que ficam felizes em humilhar outras, e foi nesse momento que me apaixonei irremediável e ardentemente: surgiu o Visconde Bridgerton em todo o seu Esplendor e Glória para salvar Penelope das palavras venenosas de Cressida.

Convidando-a para  acompanhá-lo até a sala de jantar, essa sua interferência, e uma única frase, reduziu os dois a nada.Todos no salão olhavam aturdidos para a cena a desenrolar, deu-lhe um sorrisinho conspiratório. Meu coração estava aos pulos. Temo ter ficado com os olhos brilhando demais, e uma expressão flagrante, pois Edwina interpelou-me logo em seguida. Mas pergunto-me: como não ficar?!? Com o "Libertino" já estava acostumada, estava preparada para suas habilidades, mas aquela versão - a honrada - aquela, diário, era um dardo direto ao coração das damas.
Um lindo Cavaleiro de armadura brilhante!

Após o jantar subi para o quarto, desejando que meus pensamentos se distanciassem do tal Visconde, de Penelope e de todos os recentes acontecimentos. Porém este se mostrou um trabalho digno de Hércules, revirei na cama por horas, até decidir que um livro poderia arrebatar-me, operar a mágica de tirá-lo de meus pensamentos, ou inundar-me de enfado a ponto de cair no sono instantaneamente.
Ignorei a hora, as regras do decoro, e desci até a biblioteca, quando estava tentando encontrar um livro que servisse aos meus propósitos, um raio seguido de um trovão iluminou as janelas.

Me escondi embaixo da mesa, e ali fiquei, encolhida, nem imagino por quanto tempo... Até que senti em minhas mãos um aperto cadenciado, transmitindo calor aos meus membros rijos, depois passei a ouvir uma voz tranquilizando- me, uma voz conhecida, vibrante... E meu coração reconheceu antes de meu cérebro: o Visconde estava ali comigo. Meus membros relaxaram, e pude enfim levantar a cabeça para encará-lo. Aquele tormento ainda estava latente, mas sua presença foi de alguma maneira reconfortante.

Incitou-me a conversar, mas eu ainda estava consciente da chuva e dos trovões, por isso pedi que me contasse algo sobre ele. E ali embaixo da mesa ficamos conversando, como velhos amigos, sem nos preocupar com a incoerência daquela situação. Seu braço estava envolto a meus ombros, não me sentia tão protegida desde que era uma garotinha e estava nos braços de meu pai.
Os trovões  afloraram uma necessidade tão grande de consolo, conforto, cuidado... E  tive tudo ali, ao lado dele. Um paradoxo do tamanho de Londres.

Conversamos sobre nossas famílias, ele falou sobre seu pai, seus irmãos, eu falei sobre meu medo, sobre Edwina, Mary e sobre meu pai. Toda aquela situação serviu para nos aproximar, éramos agora amigos. Amigos, uma palavra estranha para nos classificar, pois se a duas semanas atrás me perguntassem sobre a possibilidade de tal arranjo, apontaria pelo menos dez motivos para a total incompatibilidade disto acontecer.

Ele deve ter ficado com os membros entorpecidos, ou ter percebido como nossa localização era descabida e completamente indecorosa, pois me ajudou a levantar, e conduziu-me até o corredor. Combinamos de nos chamar pelo primeiro nome, outra incompatibilidade, chamá-lo de Anthony quando todos o conhecem por seu título soa íntimo demais. Carinhoso demais, e confesso querido diário eu gostei de chamá-lo assim.

Anthony nesta noite, salvou Penelope Featherington, e salvou-me também. Depois que nos despedirmos subi para o meu quarto o mais rápido que pude, em parte por querer registrar tudo em suas linhas, e em parte por medo de sucumbir ao desejo de beijá-lo em agradecimento.
Como posso agora me colocar contra seu casamento com Edwina, se tenho total certeza de suas qualidades? Como vou negar a minha irmã a felicidade de ser sua futura Viscondessa?

#KSheffield

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⏰ Última atualização: Sep 16, 2018 ⏰

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