Na barriga da mamãe

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Ainda na barriga da mamãe, eu mal ouvia a voz do papai, mas eu queria conhecer ele tanto quanto queria conhecer minha mãe.

Minha pressa de sair dali era tanta, que eu não conseguia ficar parada, só ouvia alguns gemidos da mamãe quando dava uns chutinhos.

Lá dentro, eu sentia um pouco de fome, mas imaginava que minha mãe estivesse fazendo algum tipo de jejum ou dieta, sei lá.

Mas a fome que eu sentia era tanta, que meus pulinhos eram involuntários.

Certa vez, eu ouvi a voz do meu pai, todos os meus órgãos já estavam formados, assim podiacompreender um pouco o que acontecia lá fora.

Minha mãe ficava sempre sentada na beira do fogão a lenha, eu podia sentir o calor do fogo.

Meu pai chegou já chutando forte a porta, nesse instante eu tomei um susto tão grande que, meu corpo todo se desalinhou ali, dentro daquela bolsa com água, poxa, eu já estava quase cochilando.

Minha mamãe também se assustou, e levantou as pressas para receber o meu pai.

___ Onde você estava até hoje velho??? Nossos filhos estão passando fome, não tenho nada a oferecer, somente água, e as vezes, Toninha trás algum resto de comida, só assim eles ainda não morreram de fome.

Dentro da barriga, eu ouvia uma respiração alta e ofegante muito próxima, será que ele estava bem?

____ Ave Maria mulher, eu mal chego em casa e "ocê" já me metralha com reclamações, cale essa boca e vai dormir.

Minha mãe não ficou feliz com essa resposta e continuou falando.

____ Mas moço, como é que você me deixa sozinha com nossos três filhos pra morrer amingua aqui, você sabe que é impossível eu sair para trabalhar, e essa criança que está na barriga, o que será dela quando vier a esse mundo maldito, com você gastando todo o dinheiro em pinga, sem se importar com seus filhos.

Nessa hora, eu senti que escorria lágrimas dos olhos da minha mãe, e o nó que se formou na sua garganta me fez sentir desconfortável na barriga dela, eu queria sair logo dali para poder abraçar minha mãe.

De repente, ouvi um berro de meu pai, era ensudercedor, mesmo para  mim, que estava ali, numa bolha.

____ Você cala a sua boca, senão eu esfrego essa sua cara imunda na parede.

____ Não Joabe, não faz isso, pensa nessa criança na minha barriga.
A voz da mamãe saia tremula e desesperada.

Nessa hora eu senti uma pressão que apertava a barriga da mamãe e a voz do papai bem pertinho, e alguns gritos de socorro, eram minhas irmãs que tinham acordado com o barulho.

___ Eu não me importo com esse maldito monstrinho que você carrega na barriga, não mandei você arreganhar essas suas pernas.
Meu pai falava e fungava feito um animal no cio.

Eu ouvia mais duas vozes gritando.

____Para com isso pai, vai matar a mamãe. Que parecia ser alguém mais velha.

____ Por favor senhor, protege nossa mamãe. Dizia assustada uma vozinha suave, que parecia de criança menor de cinco anos.

Minha mãe não tinha força de gritar, talvez pela fome ou pela exaustão da gravidez.

Eu, ali na barriga, tentava pensar bem alto, para que minha irmã grandona saísse para chamar uma pessoa lá de fora, para salvar a mamãe, mas tudo era em vão.

Papai começou a ficar mais violento e fora de si.

____ Você não gosta de abrir suas pernas, velha imunda? Vamos, mostre a suas crias quem você é, abre essas pernas, eu vou te arrombar do jeito que você gosta.

Nessa hora minha mamãe consegue soltar um murmúrio baixinho.

____ Vão pra cama depressa crianças, e tranca a porta, sua voz foi arrebatada com uma mão, pesada e mais forte do que ela podia aguentar.

Nessa hora, eu percebi que, não fazia diferença eu nascer, não poderia ajudar a minha mãe, e não teria um pai para chamar de meu.

____ Ai, sua desgraçada, você mordeu meu dedo, maldita.
Meu pai gritou, desferindo um grande tapa no rosto da minha mãe.

Acho que ela caiu no chão, porque eu senti tudo se sacudindo lá dentro da bolha, e a água que tinha lá sacudia bastante.

Tive tanta pena da minha mãe que, lá de dentro mesmo, comecei a rezar. Eu não sabia como fazer isso, mas sempre ouvia minha mãe rezar.
Minhas mãos pequenas se juntaram voluntariamente e eu comecei a pedir.

____ Papai do céu, proteja a minha mamãe, tira esse monstro de perto dela, para ela viver feliz e em paz, e por favor, me retira daqui, não deixe que eu nasça, não quero viver nada disso. Amém.

Nesse instante, ouvi um barulho tremendo da porta batendo e meu pai gritando alguma coisa lá de fora.
Eu não consegui mais me mexer, as forças da mamãe eram poucas e acabaram me afetando, nesse instante não ouvi mais nada.

Isso não se faz (Completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora