Capítulo II

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Quando vi aquela sala fiquei decepcionado, quase bravo. Não! Eu não podia acreditar. Era simplesmente im-pos-sí-vel que a sala 12 se resumisse à uma biblioteca sem graça. Fui entrando no lugar e vieram à minha cabeça todos os momentos que tinham aquele espaço como protagonista. Foram dezenas de planos para invadir a sala, sempre indo no banheiro pelo caminho mais longo pra ver se flagrávamos alguém entrando nela, até já tínhamos feito tocaia pra conseguir saber alguma coisa! Mas em 3 anos nem uma pista sequer!

Desiludido caminhei em direção ao centro. Meus amigos já se amontoavam em uma mesa redonda mais ao fundo, tinham a mesma expressão destruída que eu. Estava tão desanimado que nem notei a presença da professora de jaleco rosa à frente da turma. Ela sorria um sorriso perfeitamente alinhado e segurava os braços na costas. Sob o jaleco, vestia uma blusa branca estampada com uma flor também rosa e uma calça amarela que contrastava muito bem com o resto da vestimenta. 

Assim que todos se acomodaram, ela disse: 

- Bom dia, turma

Um fraco bom dia saiu da boca de alguns alunos tão desatinados quanto eu. 

- Bom dia, turma! - Repetiu ela colocando mais vigor em suas palavras

- Bom dia - agora dessa vez saiu um pouco mais alto, eu continuei calado 

- Meu nome é Rosângela e eu serei a professora de Literatura de vocês - ela deu um sorriso como se esperasse alguma reação nossa. Nada - Como faz bastante tempo que a escola está sem professora de sala de leitura, aos pouquinhos vocês vão conhecendo mais esse espaço tão maravilhoso. Aqui nós vamos ouvir muitas histórias; vamos fazer as nossas próprias histórias; vamos criar outras coisas que não textos; mas, acima de tudo, vamos nos divertir - O sorriso de novo. Nada.

E então ela começou a explicar como que os livros se dividiam nas prateleiras, uma chatice só. Até coloquei os cotovelos na mesa e deitei a cabeça sobre meus braços. Ela ia andando dizendo onde ficavam os livros infantis, das crianças menores; onde ficavam os livros de terror, das crianças maiores; quais eram os livros que ela recomendava pra gente; quais ela não recomendava; blá blá blá. 

Eu estava indignado. Tudo bem que era bem melhor do que ficar na sala com a Gilda, mas poxa... todos esperavam algo mais daquela sala. Só uma sala de leitura? Quem gosta de ler? Existiam coisas tão mais informativas na época... Meu pai contou uma vez que tirou 10 na prova assistindo um filme enquanto seus amigos tiraram 6 lendo um livro. A tecnologia está aí pra isso não é? Pra nos ajudar, pra poupar nosso tempo. Livros são coisa do passado. 

A professora Rosângela levou quase 20 minutos nessa enrolação de explicar onde ficava cada coisa na sala de leitura. Depois ela resolveu falar as malditas regras da sala, o que nos custou mais 10 minutos. Faltando, portanto, apenas 15 minutos pra acabar a aula ela disse que ia fazer uma "contação de história". Eu queria morrer. 

Ela então foi até o seu armário e colocou um chapéu de palha muito grande e engraçado. Disse que, a partir daquele momento, seu nome era Quincas Borba. "Quincas Borba era um homem muito muito rico que morava no interior de Minas Gerais, na cidade de Barbacena", começou ela. "Quando envelheceu, um amigo seu, Rubião, foi morar com ele para ajuda-lo e foi aí que tudo começou".

"Quincas Borba, que todos achavam que estava começando a ficar louco, deu a compartilhar com o amigo pensamentos filosóficos. Não de algum filósofo já conhecido e consagrado, mas seus próprios pensamentos filosóficos. Ele deu até um nome para a sua principal teoria, o Humanitismo, segundo o qual todos nós temos dentro da gente uma força chamada Humanitas. Humanitas tem fome." 

"Humanitas tem fome e nós fazemos de tudo para alimentá-la. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas, essas batatas só são capazes de alimentar uma tribo. Se ambas as dividirem em paz, será o fim para as duas, qual é então a solução?" 

- Guerra - disseram alguns alunos que já se atentavam as palavras da professora

"Exato! Nesse caso a paz é a destruição e a guerra é a salvação. Ambas as tribos precisam lutar pra ver quem fica com as batatas e segue seu caminho. Humanitas tem fome. Humanitas tem fome!", ela agora falava alto. "No final, após as tribos se digladiarem e darem suas vidas pra saciar o mais intrínseco desejo de seus corações, dar um fim à fome da Humanitas, ao vencido restará ódio ou compaixão e ao vencedor AS BATATAS!" 

A professora terminava a "contação de histórias" com o dedo indicador apontado para cima numa posição de vitória incontestável. Seu olhar era cortante, mas não caía sob a face de nenhum aluno, pelo contrário, fixava-se num ponto na infinidade de livros à sua frente, o que a dava um aspecto inabalável. Sua voz era irrefutável, alta e potente, preenchia o ambiente inteiro. 

Após alguns segundos de contemplação da professora nova, o sinal que anuncia o fim da aula finalmente tocou. Saímos de lá sem nem ao menos lembrar do sentimento de revolta que nos acometeu minutos atrás. O único pensamento que permeava a cabeça de todos era: "Meu Deus".

Desventuras de um escritor adolescenteDove le storie prendono vita. Scoprilo ora