S I X

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Na manhã seguinte, a única coisa capaz de me acordar ainda que não o suficiente para que eu me movesse, foi o toque irritante do despertador. E, jogada na cama, — prestes a cair dela — com baba grudada em grade parte da bochecha, eu sabia que jamais me sentiria tão morta e humilhada.

Levou um bom tempo até que eu estar sóbria o suficiente para processar todos os acontecimentos da noite anterior e quando finalmente consegui, não fui poupada da vergonha devastadora e da plena certeza de que Trevor havia vindo a Losery apenas para presenciar todos os meus momentos mais constrangedores.

Resistir a vontade de permanecer ali com o quer que houvesse restado de minha dignidade havia sido quase impossível, no entanto, eu me levantei, mas não sem conseguir evitar o debate do século: eu era forte ou burra demais por sair da cama?

A resposta, convincente ou não, veio quando saí de casa: forte.

Na rua, as luzes ainda estavam acesas e era cedo demais para qualquer pessoa estar acordada, mas eu gostava de correr exatamente nesse horário.

Corri por um longo tempo, parando apenas ao sentir algumas gotas frias caírem sobre mim e no caminho de volta encostei-me em um muro que cercava uma casa, tentando recuperar o fôlego antes de voltar a correr. Fechei os olhos e respirei fundo algumas vezes.

— Está me perseguindo? — a voz rouca e agora familiar, soou próxima a mim, fazendo meu corpo estremecer. Ergui os olhos para o garoto de cabelos escuros que se ocupava em fechar o portão da casa à frente.

Ver Trevor fez com que eu perdesse todo o fôlego novamente.

— Claro que não. — Neguei, me erguendo. Tudo que eu queria era evitá-lo.

— Então, por que está parada na frente da minha casa? — Arqueando uma sobrancelha, ele perguntou. — Se apaixonou por mim, não é? — Indagou, sem conter o sorriso que se ameaçava se espalhar em seus lábios.

Torci o nariz e desencostei-me do muro, voltando a correr.

— Ei, tudo bem. Eu entendo. — Gritou. — Ninguém resiste ao meu charme.

— Obrigada por ontem, mas eu não estou apaixonada por você, Trevor! — Gritei de volta.

— É uma pena. — Devolveu, me fazendo rir.

🥀

Eu não notei as luzes acesas até abrir a porta de casa, mas quando fiz, um alarme começou a soar em minha cabeça: eu nunca esquecia as luzes acesas!

Entrei apressada, sentindo instantaneamente o cheiro de café fresco que impregnava a sala. Unindo as sobrancelhas em confusão, puxei um guarda-chuva detrás da porta e reunindo toda minha coragem e estupidez, caminhei até a cozinha, certa de que havia um invasor disposto a passar um café antes de cumprir seus propósitos.

Eu me sentia pronta para o que quer que fosse. Exceto para o que era.

— O que faz aqui? — Perguntei estupidamente.

Exceto para minha mãe.

Ela me olhou e engolindo em seco, piscou seus grandes olhos, antes de encher uma xícara com café e empurrá-la na minha direção.

No fim, eu não havia processado todos os acontecimentos da noite anterior porque, se tivesse feito jamais teria escolhido levantar da cama.

Sem me mover, assisti enquanto seus dedos nervosos empurravam alguns fios soltos para trás da orelha.

— Eu... percebi que precisava sair. Quando te vi ontem... — sua voz vacilou — percebi muita coisa.

Em três anos, aquela não era a primeira vez que eu chegava bêbada em casa, então soube que não era meu estado deplorável que a havia feito voltar para a realidade. Ou talvez fosse. Talvez, a garota que ela viu — mesmo bêbada — a tivesse feito perceber que ainda estava viva.

Mas... Por que agora?

— Depois de três anos evitando sua filha você finalmente percebeu isso? —  Perguntei e ela assentiu. — Tudo bem. — Concordei e me virei, seguindo para as escadas.

Em meu quarto, eu apenas me dei ao trabalho de jogar o guarda-chuva sobre a cama antes de me trancar no banheiro.

Quando minha mãe se trancou no quarto assim que chegamos do enterro do meu pai, eu aceitei e disse a mim mesma que ela precisava chorar e digerir o que havia acontecido. Na manhã seguinte, quando ela não saiu, eu bati na porta e, frustrante ou não, a ausência de respostas pareceu natural, afinal, era recente e o luto precisava ser vivido. Duas semanas depois, notei que ela só saía do quarto após eu ter ido me deitar, então, tentei conversar, no entanto, não obtive respostas. Mamãe nem mesmo fingiu me ouvir. Mais uma vez, disse a mim mesma que só precisávamos de mais um tempo. Apenas mais uns dias. Quando o primeiro Natal chegou e eu tive de comer sozinha uma lasanha mal requentada que havia sido enviada por nossa vizinha, insisti que eu só precisava continuar respeitando o tempo dela.

E depois de um longo tempo inventando desculpas e justificativas, eu finalmente aprendi a lidar com a ausência dela e quase não me importava mais. Alguns dias eram como se minha mãe houvesse morrido também. Contudo, vê-la voltar me fez perceber que eu não estava pronta para lidar com um fantasma.

🥀

Assim que cheguei à escola, Josh me encontrou e se jogou sobre mim, murmurando como um carro velho.

— Minha cabeça dói. — Reclamou, afundando o rosto em meus cabelos. — Por que você não está de ressaca?

— Sou imune a esse mal. — Informei e rindo, dei dois tapinhas em suas costas.

Josh fazia com que todo o peso sobre meus ombros desaparecesse.

— Ridículo. — Ele me soltou, estreitando os olhos sobre mim. — Não me esperou ontem. — Afirmou, usando a palma de sua mão para empurrar minha cabeça para trás. — Mas tudo bem, conheci um cara.

—Você não perde uma, não é Colton? — Perguntei rindo.

— Estou vivo e vou viver! — Declarou com um largo sorriso.

Joshua havia aprendido a amar sua vida, mesmo que ela houvesse sido uma vadia cruel em inúmeros aspectos. Agora, ele sabia melhor que qualquer um que os momentos ruins eram sacrifícios necessários, pois a vida era tudo que ele tinha.

— Estou apaixonado. — Cantarolou.

Revirei os olhos, empurrando-o para longe.

— Logo passa. — Ele me lançou uma piscadela e envolvendo meu braço com o seu, começou a me puxar para a sala.

Hoje era um dos dias que eu gostaria de ignorar ou apagar, mas não podia. Por mais que eu quisesse voltar para trás da linha amarela segura, não havia como.

Querendo ou não, eu precisava lidar com meus fantasmas.

Precisava lidar com a minha vida!

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