A Olho Nu

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sexta-feira, 19 de maio de 2017 -- 01:51


Em escassos momentos nós notamos as pequenas coisas — mas não do jeito que deveríamos.


As nuances deste mundo abrigam muito mais do que imaginamos ou conseguimos testemunhar e captar. Para ser sincero, elas são tão enormes quanto as grandes coisas. Afinal elas as compõem. Penso que por não as notar, muitas vezes tornamos os detalhes substanciais invisíveis. Se um homem pudesse enxergar todas estas pequeninas composições do mundo, dominaria um universo quântico capaz de até mesmo prever o futuro. Aí está a explanação sobre ficarmos confusos com algumas reviravoltas em nossas vidas. Não olhamos para a causa e o seu desenvolvimento, mas para o seu efeito e a sua consequência. Todos os dias um oceano de sutilezas nos banha, e, embora achemos que estamos absorvendo apenas o essencial, muitas respostas são descartadas. Porque você não precisa perguntar para uma pessoa se ela está sofrendo de devastação interna ou se está prestes a ter um colapso, pode observar o estado de suas roupas e de seu rosto, o seu cheiro, os sinais pelas mãos, o cabelo, o hálito e mesmo a sua postura! Todo o seu corpo torna-se um quebra-cabeças, cujas peças são demasiadamente ignoradas; e, mesmo que a sua presença não estivesse de fato próxima a você, um punhado de ações diagnostica um indivíduo melhor do as que suas próprias palavras. Não se precisa perguntar para saber se alguém é destro ou canhoto, se gosta de você ou se sente desconfortável. Ele está tendo um bom dia? Analise por algum tempo e todas as soluções aparecerão.


Já ouviu falar em micro-expressões? E em como elas podem lhe definir muito mais do que uma reação exagerada? Talvez a sua consciência não as perceba, mas há alguém especializado em nuances vivendo junto com você. Alguém — ou melhor dizendo: algo que as entende; porém nunca lhe diz de forma concreta. Adivinhou?


Falamos da parte lunática do ser humano: o inconsciente. Se não fosse por ele, seriamos seres rasos e supérfluos. Você não sentiria a paixão e a sensualidade daquele contato visual com a sua colega de trabalho; da franqueza absoluta de um infeliz; do amor daquele sorriso; do sereno e sútil toque na mão que lhe desperta os sentimentos mais profundos. O amor simplesmente morreria sem as nuances — e nem mesmo a tristeza, a melancolia, a amargura ou a culpa e o pesar conseguiriam sobreviver. Toda complexidade emocional humana se colapsaria, tornando-nos seres incapazes de vivenciar.


O pó que flutua não poderia mais ser chamado de pó e transformar-se-ia em nada. Homens e mulheres não pertenceriam mais a nenhum gênero, pois toda a vontade de se relacionarem sumiria, levando-os a serem animais sem natureza e distinção.


Quantos litros de sangue jorrariam por batida num coração que fora projetado para suportar apenas alguns mililitros? E quantas, quantas letras já foram escritas neste texto? E sílabas? Palavras? Frases? Afinal, por que um A se parece com um A, e não com um B? Porque é um A, e foi feito para ser assim? Quantos degraus eu subi hoje? Quantos degraus tem em minha escada? Eu não sei! Eu não prestei atenção. Não me lembro nem com qual pé eu comecei o dia e utilizei para me erguer da cama ou o horário exato em que almocei. Também me é difícil de recordar se eu disse algo que não devia a alguém que acumula dor de alma há anos e isso o destruiu.


Se eu guardar cinquenta centavos diários por quinze anos, seria possível que isso me ajudasse a comprar algo que gosto, no futuro? Ou a inflação deliberadamente mataria o meu anseio? Poderia, futuramente, o sorriso sincero, meigo e breve de minha amiga fazer-me apaixonado por sua companhia, mudando assim toda a minha vida? E poderia a troca de olhares e relances de nenhuma significância mexer profundamente com a maneira a qual alguém sente, alterando todo o sentido de uma existência? Por fim, por que é preciso uma abordagem tão abruptamente falsificada para demonstrar o seu interesse amoroso, e não uma troca de sinais sutis que reciprocamente equilibram-se e manifestam-se?


Não prestar atenção me tornou eventualmente cego à delicadeza. E tratar este enfermo é uma das coisas mais difíceis que já me propus a fazer.


Num mundo de sutilezas, encontra-se as explicações de um universo infinito e caótico. Enxerga-se a essência; o essencial — e se obtém acesso a todos os detalhes omitidos.


Constrói a realidade alternativa necessária para compreender o mundo e, talvez, a vida.

As Piadas de BazilioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora