Prólogo

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O que você vai falar no meu funeral

Agora que me matou?


Os curativos incomodam minha pele. Minha boca ainda arde, lamentando o soco que eu levei, minha sobrancelha está pela metade.

Dois curativos, dois incômodos.

Minha blusa de gola alta também me incomoda, mas eu a uso porque preto combina comigo. Subo as mangas até os cotovelos e me arrependo do ato na hora; havia me esquecido das marcas recentes nos braços ridículos de pálidos. Meu cabelo escuro e desarrumado completa a desgraça que eu sou.

Desisto de me olhar no reflexo do vidro da janela e subo as escadas de vez. Dão no terraço, um lugar que o elevador não chega. Várias pessoas estão jogadas no chão, conversando e olhando para a vista até que bonita. É madrugada, porém a cidade continua acordada.

Há muita gente bêbada, em todos os andares provavelmente. O cheiro de maconha é tão forte que incomoda meu nariz, mas bem que eu queria fumar um pouco. Caminho até a ponta e me esgueiro para olhar o chão. A rua está quase vazia, alguns carros ainda andam de lá pra cá.

Respiro fundo algumas vezes mesmo não tendo no que pensar de última hora, mesmo não tendo no que me prender à Terra. Tenho a bíblia, tenho a arma, tenho a oportunidade. Sento-me no muro e balanço os pés, até arrisco um sorriso.

Tenho a idade, tenho a selvageria, tenho a liberdade. Jogo a cabeça para trás para sentir melhor o meu cabelo voando com o vento. Cinco, quatro, três, dois... Meu corpo pede para flutuar, sou direcionado para o que tanto almejo, respiro fundo uma última vez.

— Meu Deus, o que você tá fazendo? — uma voz fina esperneia enquanto seus braços me puxam para o chão.

Desentendido, olho para cima e mal consigo vê-la. Deito a cabeça no pedregulho e respiro fundo várias vezes.

— Você tá ficando maluco, garoto? Que droga!

Meus olhos finalmente focam e vejo sua forma esguia na minha frente — as suas mãos estão na cabeça e seu rosto mostra seu desespero — e uma pequena multidão ao meu redor. Minha única reação é rir.

Eu ri muito. Ri da morte, de mim mesmo, daquela situação, da garota chorando em cima de mim, dos drogados ao meu redor. A situação seria cômica se não fosse trágica. Acho que quem na verdade está rindo de mim é a Morte.

— O que houve? — uma voz distante e conhecida pergunta. Fecho os olhos e continuo a gargalhar.

— Eu salvei a vida desse maluco! — Ela ainda está em choque.

— Tirem ele daí antes que tente de novo.

Bêbados de AmorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora