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~ Mil ~

- Confesso que estou animado pra ver o que você quer me mostrar - Stan disse enquanto estávamos parados encarando as letras que juntas, formavam "Sunshine" - Esperei tudo, menos vir pra escola em que você trabalha.
Soltei um riso anasalado.
- Eu sou uma caixinha de surpresas - Brinquei e nos encaramos por alguns segundos antes de entrarmos.
- Mas... O que fazemos aqui no período sem aulas?
- Bom, eu não quero te mostrar o que - Falei calmamente, tentando não demonstrar minha ansiedade e animação enquanto andávamos - E sim, quem.
Entramos na escola sem passar pela recepção.
- Você sabe que aqui não estudam só as crianças que os pais pagam, mas também as crianças do orfanato mais próximo. Elas vem de van... - Expliquei enquanto adentravamos - Algumas professoras também são de lá, e uma delas estava grávida. Pouco antes dela ter o bebê, o marido morreu num acidente. Ela, morreu após o parto.
- Um órfão? - Stan perguntou, mas eu nem me dei ao trabalho de virar meu rosto para ver sua expressão, outro sorriso chamava minha atenção. E me agachei, abrindo os braços quando uma garotinha muito fofa correu na minha direção.
- Uma órfã - Corrigi - E ela é muito mais que alguém que perdeu os pais - Completei, pouco da garotinha me alcançar e me abraçar apertado.
- Émili! - Ela disse animada e eu me levantei com a mesma no colo, girando-a enquanto a mesma ria - Você demorou!
- Alguém aqui é bem atrasado - Soltei-a no chão e apontei para o Stan, vendo ele olhar da pequena para mim, totalmente confuso.
- Essa é o seu namorado? - Ester perguntou, agarrada a minha perna, apontando para Stanlin - Aquele que você me falou - Olhou pra mim.
- É sim - Respondi e olhei rapidamente para ele antes de voltar minha atenção pra ela - Ele é bonito, não é?
- Até que sim. Não tão quanto você falou que era! - Virou o rosto analisando Gabriel dos pés a cabeça, enquanto eu corava com a confissão dela - Não vai me dar oi?
Stanlin sorriu, encantado pela menininha. Assim como eu.
- Oi - Se agachou para ficar na mesma altura que ela, acenando de um jeito abobado - Eu sou o Gabe.
Ester negou com a cabeça.
- Stan - Ela disse, arrancando risadas de nós dois.
- Você escolhe - Ele respondeu, piscando pra ela que riu.
- Stan, essa é a Ester, minha colega.
- Colega? Somos melhores amigas! - Ester disse e me olhou - Não somos?
- Claro que somos, meu amor... - Baguncei o cabelo dela, a mesma fechando os olhos para quando sentiu meu carinho.
Que serzinho mais fofo! Alguém segura meu coração... Porque eu sinto que ela roubou.
- Mil, o que vamos fazer hoje? Montar quebra cabeças, nadar, pular corda?
- Que tal fazermos tudo? - Eu sugeri e meu coração amoleceu quando a vi abrir o maior dos sorrisos.
- Vamos!!! - Me puxou pela mão, e eu fiz o mesmo com Stan.
Não ia perder sequer uma oportunidade de segurar a mão dele, ainda que fosse por segundos.
Valia a pena.
Oh se valia.
Acabou que montamos uns 3 quebra cabeças juntos, jogamos futebol.
Ester ficou no gol enquanto Stan tentava me ensinar a jogar, acontece que eu sou péssima nisso.
Claro que ele ganhou.
Mas perdeu quando o assunto era linha e agulha.
Ensinei o básico pra ele, e a competição era costurar algo improvisado para a Ester.
Claro que ganhei.
Então estávamos 1X1.
- Temos que desempatar! - Stan anunciou e só então eu percebi o quanto éramos competitivos.
O que era pra ser uma tarde de diversão com a Ester, virou uma competição entre nós dois.
Acho que éramos mais novos mentalmente do que a pequena.
Acontece que todo final de semana a Sunshine abria as portas para que os alunos fizessem atividades com a família, tipo brincar, nadar essas coisas.
Era um projeto social, eu acho.
Mas e as crianças do orfanato?
Isso me parecia um pouco injusto.
Então...
Foi só Ester pedir que eu comecei a vir com ela aos Sábados, mas fazia quase um mês que não vinha por causa dos últimos acontecimentos: Stan, competição de dança, Stan, vovó...
Suspirei.
Eu ainda estava no processo de superar.
Mas ver o sorriso sincero da Ester, sentir a presença do Stan, ao meu lado, ver o quanto eu fui presenteada com as pessoas ao meu redor, ainda com seus defeitos, elas estavam lá... Tudo isso me dava esperança.
E me fazia seguir em frente.
E eu estava disposta a superar.
Sabia que não seria de um dia pro outro, mas juntei as pequenas coisas da minha vida, e descobri que elas davam uma baita força.
Eu vou conseguir.
- Vamos nadar! Quem chegar primeiro do outro lado vence - Ester sugeriu e eu me perguntava como uma criança podia ser tão inteligente.
- Eu topo - Stan disse.
- E-eu não - Respondi - Não consigo.
- Ah é - Ele pareceu lembrar.
- O que foi?
- Mil tem medo de água.
- Mas se você tem medo de água, como você toma banho? - Ester disse e novamente rimos, deixando de lado a tensão - Eu queria tanto nadar... - Fez uma cara triste.
Droga.
Não consigo resistir a essa carinha.
Me dê forças.
- Não.
- Por favor...
- Eu não sei nadar, Ester.
- Eu te ensino.
Neguei com a cabeça.
- Por favor... Por favorzinho, inho, inho... - Juntou as mãos e olhou pra mim.
Stan olhou pra mim, erguendo uma sobrancelha.
- Tá bem, tá bem... - Olhei pra ele - Você pode entrar na água com ela? Eu fico só na borda mesmo... - Quase implorei com o olhar.
Eu só queria ver a Ester feliz e ter um bom dia com ela.
- Claro - Me surpreendi quando ele respondeu com um meio sorriso e a menininha abraçou a perna dele.
- Eeeeee!
- Agora entendi porque você me disse pra colocar roupa de nadar.
Rimos, mas eu estava nervosa.
Dava um pouquinho de vergonha de ficar de biquíni, e olha que eu nem ia entrar na água.
Mas eu sempre ia preparada.
Tirei minha blusa de um jeito desastrado, mas não precisava tirar meu shorts. Eu nem entraria na água mesmo...
Me virei, pronta pra dizer ao Stan que ia guardar nossas coisas perto das cadeiras e voltaria para me sentar com elas, mas perdi a fala quando o vi - bem diferente de mim - tirar a camiseta lentamente, como na cena de um filme.
Os ventos bateram pelos seus cabelos e só faltou a música...
Sério, o que foi isso?
Senti meu coração disparar e as pernas bambearam, enquanto eu tentava não descer meu olhar dos olhos dele, o que não deu muito certo.
E ele me pegou analisando-o, o que me fez cambalear para trás e ficar vermelha.
- Tá tudo bem aí Mil? - Ele perguntou com um sorrisinho desgraçado no rosto.
Idiota.
- Claro que tá - Encarei-o e sorri de lado ao ter uma ideia - Eu trouxe protetor solar - Avisei, me agachando e pegando o produto da minha mochila - Vem cá Ester.
Ela veio saltitante até mim, tirei seu vestido florido velho, vendo seu maiô preto desbotado e passei o protetor em seus braços, nas costas, no pescoço.
- Fecha os olhos - Pedi e ela o fez.
Passei com cuidado no seu rosto e dei três batidinhas com o dedo indicador na ponta do seu nariz de um jeito brincalhão - Prontinho - Acariciei a bochecha dela, sorrindo abertamente.
Ela retribuiu o sorriso.
- Agora você - Fechei os olhos e ela encharcou minha cara de protetor - Pronto, Mil.
- Tem protetor até dentro do meu nariz - Comentei, rindo e passando as mãos no rosto para tirar o excesso - Stan - Chamei com a voz manhosa.
- O que?
- Pode passar nas minhas costas, por favor? - Pedi com uma expressão fofa, mas por dentro queria rir com a provocação.
- P-posso - Ele vacilou e eu virei de costas pra ele, jogando meu cabelo pra frente.
Ouvi o barulho dele colocando o líquido em suas mãos, logo sentindo os dedos fortes na minha costa, fazendo-me arrepiar e estremecer levemente.
Droga.
Minha ideia virou contra mim.
Revirei os olhos.
O toque continuou em minhas costas, subindo e descendo, insistente, passando o protetor.
- Acabei - Ele disse, ainda com as mãos lá.
Me virei, fazendo suas mãos caírem.
- Obrigada - Sorri - Fecha os olhos também.
Ele fechou um tanto relutante e confuso, e eu passei o protetor em seu rosto, sem avisar, passando em suas costas de forma delicada.
O vi estremecer fortemente, como se tivessem o cutucado com um alfinete e terminei rapidamente, tirando minha mão dele.
- O-obrigado.
Mantive meu sorriso e ele pulou na água, espirrando água em mim e na Ester.
Ela murmurou, correndo para pular também.
Minha garganta se fechou e meu coração parou, foi tudo muito rápido: Quando eu vi ela já estava pulando.
Corri até lá, nervosa e encontrei Stan segurando uma Ester bem feliz e segura.
Ufa. Que susto.
Coloquei as mãos no peito e me sentei na borda da piscina, perto deles, vendo os mesmos brincarem.
Era a cena mais fofa.
Acabei por me deixar pensar se gostaria de ter filhos.
E a resposta é claro que sim.
Adoraria ter alguém me chamando de mãe, alguém exigindo minha atenção, pedindo colo...
Suspirei.
Por que isso parece tão distante?
Claro, eu não posso ter filhos agora.
Mas, por que isso parecia tão... Impossível?
Não era bem essa a palavra.
Inalcançável?
Talvez.
- Moça... - Ouvi uma voz estranha e encontrei uma menino. Na verdade, era quase um moço. Pelas espinhas no seu rosto e o tom da sua voz que estava engrossando, eu podia perceber um quase adolescente. Sorri de lado, como quem diz "bem-vindo a adolescência".
- Oi? - Respondi meio incerta do que porque ele falava comigo.
- Meu amigo jogou nossa bola na água - Ele apontou para onde uns meninos que aparentavam ter a meia idade olhavam atentos para nós, e depois apontou pra água - Você pode pegar por favor?
- Claro - Respondi com um sorriso e me inclinei para pegar a bola. Respirei fundo.
Calma Émili. É só pegar a bola bem rápido e dar ao menino. É só água. É só água. Você bebe ela. É só água.
Procurei pela água, colocando a mão nela.
- Não vejo nada...
- Talvez esteja mais no fundo...
Encolhi em seco, me inclinando ainda mais, como um cachorrinho que queria lamber a água.
Eu só queria pegar essa bendita bola.
- Eu não ac...
Ouvi uma risada e senti um empurrão, caindo de cabeça na água.
Eu vou morrer.

O Garoto do Ônibus Onde histórias criam vida. Descubra agora