Capítulo 2 - Acho que tá faltando uma cabeça nesse cachorro.

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Alguém poderia ter me mandado um memorando a respeito do advogado de meu suposto pai, tipo, por consideração a integridade física do pequeno Jack aqui. Já vi muitos caras paranoicos antes, mas Nathaniel? Esse conseguia superar toda a população mundial atual e que ainda estava por vir. Não, sem brincadeira. Ele não esperou os benditos cinco minutos pra vir atrás de mim.

Na verdade, esperou exatos quatro minutos e cinquenta segundos.

Connor me puxou para dentro do vestiário masculino no momento em que avistou a figura engravatada de Hawthorne vindo em nossa direção com uma cara de poucos amigos. Não que fosse de grande ajuda, considerando o fato de que não tinha como sair daquele lugar sem ser pela mesma porta em que entramos. Desferi um tapa em sua mão esquerda, me afastando alguns passos para poder fitar o grandão.

- Será que da pra parar? Tipo, assim, esse é meu moletom bom! - chiei.

- Fica na tua que você usa esse troço desde o quinto ano - desdenhou Connor, escorado na porta como se fosse algum tipo de espião. - Alguma ideia de como vai despistar o engravatado?

- Nenhuma. E você ainda fez questão de trazer a gente pro único lugar sem uma saída de emergência.

- Para de reclamar, bundão. Bora fazer assim, eu seguro e você corre.

Veja bem, Connor é o queridinho do clube de artes marciais do colégio, um armário de 1,80 de músculos definidos e que poderia muito bem ser o próximo galã de novela, com sua pele avermelhada e seu sorriso de dar inveja. Já eu? Cara, eu era quase uma versão desnutrida do Soldado Invernal, em meus belos 1,60 e cabelos que precisavam de um corte com urgência. Se tinha alguém menos privilegiado nos dotes físicos, esse alguém era eu.

- É brincadeira, né?

- Você tem uma ideia melhor?

Não, eu definitivamente não tinha. Quase conseguia sentir o olhar severo e as mãos firmes de Nathaniel em meus ombros, odiando o tal do Yashiro por não ter controlado melhor seu cachorro que, naquele momento, olhava para a porta da diretoria a poucos metros dali. Seria tão fácil deixar que Connor pegasse o extintor de incêndio da parede e... espera, é isso!

- Alarme de incêndio!

- O que? - indagou o grandalhão, olhando para o alarme do lado de fora do vestiário - Nem fodendo, eu vou acabar me encrencando por sua causa de novo.

- Por favor, cara! Eu não pediria se não fosse importante, qual é!

De um certo ponto de vista, talvez eu fosse uma péssima influência para Connor em todos os sentidos da palavra. Embora ele odiasse literatura clássica preferisse pop ao rock, o grandalhão era um dos caras mais certinhos que conheci naquela escola. Sua família possuía ascendência Cherokee e seus pais davam duro para que nada faltasse na educação do filho, mesmo com todas as dúvidas que adquiriram depois da internação de sua mãe no ano passado. Connor para seu crédito, trabalhava meio período em um restaurante de Chinatown e ainda conseguia ter tempo para permanecer na lista de honra dos professores. Isso não mudou desde que começamos a ser amigos, mas o fato de irmos para a sala do diretor por, no mínimo, cinco vezes por ano, já dizia muita coisa.

— Vê se não vacila - rosnou, saindo do vestiário como uma bala.

O alarme de incêndio tocou segundos depois, fazendo com que eu me perguntasse se Nathaniel havia deduzido aquele plano nada coordenado ou se estava tão surpreso quando o resto das pessoas no prédio. O corredor aos poucos foi se enchendo de alunos orientados por professores e funcionários a deixarem o lugar de forma ordenada como eram treinados, embora soubessem que dificilmente haveria um peido de chamas em algum lugar dali. Essa foi minha deixa para sair do vestiário e me misturar na multidão, sem sequer olhar para trás em busca do advogado sinistro.

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⏰ Last updated: May 14, 2021 ⏰

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