o3| Enquanto eu estiver aqui

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Meu peito está tão apertado quanto naquele dia. Aquele dia fatídico em que Louiza Lumya, uma das aristocratas mais renomadas da cidade, decidiu parar de lutar contra a tuberculose. Ela olhou profundamente em meus olhos, parecendo enxergar todos os meus pecados e apertou minha mão com muita força, como se tivesse reunido suas últimas forças para fazê-lo. Eu vi minha mãe definhar em seu leito de morte, eu acompanhei seus últimos suspiros até que não restasse mais nada dela, nem mesmo o seu cheiro de tomilho.

As tosses de Callum se tornam cada vez mais intensas e frequentes conforme a noite avança. Tento usar o travesseiro para abafar os sons, mas a lembrança de minha mãe e irmã sempre retornam quando ele volta a tossir. Agoniada demais para deixar mais uma pessoa morrer perto de mim por essa maldita doença, ajeito a camisola que vai até os pés, pego a lamparina na cômoda e desço silenciosamente as escadas. Bato devagar no quarto de tia Cornélia e o ranger das molas em sua cama denuncia que ela também não está conseguindo dormir. Ela demora para abrir, e dessa vez bato com impaciência.

- Larsa? – ela pergunta.

- Sim, tia, sou eu. Por favor, abra logo! – pigarreio.

Ela finalmente abre e revela seus grandes fios acastanhados caindo como cascatas. Meu peito se aperta com mais intensidade, pois um dos motivos dela não andar por aí com os cabelos soltos é por minha causa. Porque ela é gêmea de minha mãe, que sempre andava com os longos cabelos soltos, e tia Cornélia passou a prender os cabelos todos os dias, em uma forma de tentar aliviar minha dor. Mordo o lábio e ergo a lamparina para ver seu rosto.

- O que houve Larsa? – ela pergunta.

- Você também está escutando...

- Não devemos nos intrometer – ela balança a cabeça. – O Sr. Callum trouxe a própria maleta de remédios da cidade.

- Que sabemos que não funciona! A senhora sabe muito bem que eles não funcionaram...

- Chega – percebo que fui longe demais quando ela fecha a porta na minha cara. – Volte para o seu quarto, por favor.

Engulo em seco e vou até a cozinha. Acendo mais uma lamparina e procuro pelo grande pote de mel. Rapidamente faço uma mistura de mel, gengibre e alho e depois preparo um suco de cenoura e folhas de louro. Limpo tudo rapidinho para não deixar nenhum rastro que possa me denunciar mais tarde e coloco tudo em uma bandeja. Passo silenciosamente em frente ao quarto de tia Cornélia e torço para a madeira não ranger. Meu coração bate forte a cada passo que dou na escada, pois a tosse dele está cada vez mais alta e frequente. Bato com o pé na porta algumas vezes e ele não vem abrir, então chuto com força e escuto seus passos. Ele abre a porta e fica espantado ao me ver, virando o rosto rapidamente. Sem pedir licença, entro apressada e coloco a bandeja na cômoda.

- Srta. Lumya...

- Aqui, tome isso – pego a jarra e coloco um pouco no copo. – Você vai melhorar.

- Não devemos ficar sozinhos no meu quarto...

- Eu mandei você tomar – ando até ele e coloco o copo na sua mão. – Agora.

Ainda relutante ele pega o copo de minha mão e bebe. Volto até a cômoda e encho uma colher grande com o mel batizado e também o faço tomar. Fico tensa quando vejo o lençol branco de sua cama com algumas nuances de sangue. Por alguns instantes penso em ter isto Cristina deitada ali, limpando sua boca com um lenço repleto de nuances escarlates.

Vou melhorar Larsa, e quando chegar o verão, podemos visitar o lago Trakai novamente...

- Srta. Lumya? – a voz de Callum me traz de volta. – Não sei como agradecer.

O Vale das MariposasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora