o2| Por trás das palavras

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Uma comissão de cavalheiros está prostrada na varanda do chalé. Todos eles muito bem vestidos, com aparência de quem toma um longo banho de sais todos os dias. Um deles fuma um imenso charuto, e é o primeiro a nos notar. Faço um gesto com o queixo para o garoto me acompanhar, e quando começamos a subir os degraus da pequena escada na entrada, escuto o suspiro de alívio de minha tia Cornélia. Bem, talvez seja de raiva também.

- Me desculpem pela demora dela, meus senhores...

- Odeio qualquer tipo de fumo, não gosto de pessoas fumando em minha casa. Vá fumar em outro lugar, tenha modos – falo quando chego perto do homem ruivo que fuma. – E fiquem sabendo que por mais que minha tia esteja querendo ser educada ao nível de burgueses como vocês, ninguém aqui é senhor de ninguém, e muito menos vocês de nós.

Um silêncio tenso caí sobre todos. Olho para minha tia, que faz uma careta horrível como se alguém tivesse morrido. Pigarreio com a garganta e vou para a frente de todos, fazendo um leve cumprimento com a cabeça, esforçando-me a fazer algo aceitável.

- É um prazer recebê-los aqui, senhores – sibilo um pouco. – Espero que se sintam confortáveis em nosso chalé, perdoem o inconveniente, mas aqui é um lugar que não acolhe de bom grado os costumes e vícios errôneos da cidade grande – lanço um olhar desafiador para o ruivo, que me encara com um olhar sombrio. – Sintam-se à vontade para desfrutar de nossas manhãs no campo. Poderão visitar meu pomar e jardim, com minha permissão, é claro.

O ruivo dá uma última tragada e sopra a fumaça em minha direção, em sinal de desafio. Ele apaga o charuto no corrimão e o joga na grama. Observo a chuva apagar os últimos resquícios de fogo, então vou até onde o charuto está e o apanho. Tia Cornélia tenta segurar meu braço quando ando até o ruivo e enfio o charuto no bolso de seu casaco.

- É como eu disse, não acolhemos de bom grado homens metidos a cavalheiros. Compreende?

Tia Cornélia me puxa para trás.

- Quanta petulância – diz o insolente.

- Perdoe-me...

- Não tia Cornélia! – me solto de seu aperto e olho para todos eles. – Aqui vão ter que seguir minhas regras. Não me importo se não vão se sentir à vontade com um simples punhado de regras, se não querem segui-las então sintam-se muito à vontade para se retirar. Isso é tudo.

Quando dou as costas, um deles fala.

- Perdoe qualquer incômodo senhorita, não foi nossa intenção a ofender de alguma forma – me viro para ele, é um homem velho e curvado. – Não vamos ficar todos aqui, apenas o jovem Vincent. Viemos apenas para conhecer o tão famoso Vale das Mariposas. É muitíssimo belo, por sinal.

- Obrigado – esboço um sorriso que se vai tão rápido quanto veio. – Alegro-me por tal elogio ao nosso vale, fico triste que nem todos vocês sejam dotados de bom-senso.

O ruivo pigarreia, e sorrio por dentro.

- É uma jovem muito bela Srta. Lumya. É casada? – pergunta um gordinho atarracado.

- Certamente que não, e antes que qualquer um de vocês pensem em me fazer uma proposta, a resposta será não.

O ruivo solta uma risada com escárnio.

- Até parece que um de nós iria querer casar-se com uma camponesa linguaruda.

Tia Cornélia olha com aflição de um para o outro.

- Isso são modos de tratar uma dama? – lanço para ele um sorriso amarelo e aponto para a saída. – Fora do meu vale, agora.

- Com prazer, aguardo vocês na carruagem – ele abre o guarda-chuva preto e nos dá as costas. – Foi um desprazer conhecer você, Srta. Lumya.

O Vale das MariposasOnde histórias criam vida. Descubra agora