Conto19 - Para quem manda.

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Não queria muito papo, como quase sempre, porque sou um cara introspectivo demais e não costumo falar com quem não conheço.

No passado eu não era assim, mas o tempo, as descobertas nada agradáveis da vida, as muitas frustrações e pessoas de intenções escusas me fizeram mudar. E mudar muito!

Estava ali de passagem e querendo partir o mais rápido possível, mas meu tempo não estava em minhas mãos. Eu tinha que aceitar aquelas condições. Ir ao trabalho de metrô tem destas, às vezes temos que aceitar as vontades do invisível e não é você quem manda. De verdade?! Quase nunca!

– E quem manda aqui? Começou com seu papo cheio de poder e arrogância – Ao arrogante o direito de sempre ser o melhor!

Dizia com uma certa irritação, talvez por também não estar no topo da lista, ou, assim como eu, odiar andar de metrô naquela hora.

Eu, por minha vez, percebia que em seu texto tinha lá um quê de verdade.

Sim! Está lá uma coisa a ser observada e comprovada. Seja arrogante, mas seja bom demais, porque sempre será testado, provado e confrontado por quem te observa e acompanha.

– O Rei do Ringue, o Artista de Vanguarda, o Ator insubstituível, o Chefe sabedor de todas as coisas, o Playboyzão nojento, o Ser Superior diante de ti!!! Apontava para si mesmo com os dois dedões para o próprio peito, aos gritos no meio do metrô.

Eu, esmagado entre tantos e completamente consciente da figura imaginária, escandalosa e invisível que me dava as regras por ali. Que saco!

–É! Pois é, trabalhador, esta é uma posição bem desagradável. Nunca poder descansar, abaixar a guarda e ser comum! Nada fácil! Completou sua frase abraçado no senhor respeitável, com cara de poucos amigos à minha frente, sem nem sequer imaginar de sua presença nada formal agarrada nele. Quase ri da cena, mas não queria aparentar um maluco, por isso, me contive. Parado estava e assim continuei. Não sou de grandes alardes mesmo.

Lembrava das muitas pessoas que um dia passaram pela minha vida e que tinham a postura desagradável que o empolgado palestrante à minha frente descrevia. De fato, uma postura arrogante era um pé no saco, disto eu tinha certeza.

Diante das muitas lembranças desagradáveis de pessoas insuportáveis com quem já tivera o desprazer de conviver, até que o cidadão falante, vestido com roupa de motoqueiro, com seu bigodão e costeletas enormes, tipo rock'n roll, era bem tranquilo e suportável. Aí, você pode imaginar como eram legais estas pessoas do meu antigo convívio? Pois é!

O feião de quase dois metros de pura força fez uma pausa, muito provavelmente esperando eu terminar minhas memórias, onde lembrava que já havia topado aqui e ali com umas peças destas e sempre foi bem complicado. Digo complicado para não soltar mais um palavrão! Resolvi trabalhar esta questão em mim.

Estou em uma pegada estranha, quase zen! Querendo paz, de verdade, e aceitar quem manda é uma ideia que tem me rondado ultimamente! Acho que estou me entregando, por isso, calar mais e ouvir é uma nova postura que tenho treinando, mesmo porque, naquele momento, o que adiantaria discutir com quem nem estava ali de verdade?!

Penso que nem sempre fui um doce de pessoa, é verdade. Aliás, eu não nunca tive um humor doce e querido naquele horário e naquelas condições. Pelo amor de Deus, me dá um tempo, ninguém merece!

Também me fez pensar que não gosto de adular ninguém assim de bobeira e nem gastar meus elogios por aí a torto e a direito! Parece falsidade, acho até que estraga um pouco a amizade.

Eu, por exemplo, prefiro que me fale logo a verdade, sem enrolação, assim não sofro um choque ao saber que as opiniões não eram exatamente as que se pretendia, mas apenas um papinho furado para agradar e me enganar. Fica menos feio!

Vai ver que sou exatamente o que mais detesto nas pessoas por aí. Um cara desagradável e sarcástico. Vai saber?! Pode ser que sim, né não?! Ok! Não faço muita questão de ser diferente mesmo! Mas, confesso estar trabalhando muitas "realidades" em mim ultimamente.

– Ei! Veja só que maravilha, quantos amiguinhos zoiudos e desesperados por mais e cada vez mais. Todos querendo uma boa posição na vida e ter certos privilégios – dizia esfregando uma mão na outra – Conformem-se com o que têm, meus queridinhos! Ria e falava ao mesmo tempo, indo de um lado ao outro do vagão lotado, como se não houvesse ninguém – Vocês já têm o que precisam, não exagerem no querer! Há um lado que talvez não conheçam, mas parecem desejar demais. Não se empolguem neste esforço, é possível que descubram que tudo é ilusão e todo este glamour e alegrias que sonham, nem sequer existam realmente. Perguntem para mim, um alguém que chegou lá! E deu uma risada debochada.

Ele jogava com estas coisas de ilusão. Ok! Há um jogo a ser jogado, que eu prefiro não me envolver. Creio que já estou na parte de me conformar com a tal da realidade que ele mencionava.

– Aguardem por pedradas, este papo de telhado de vidro é papo furado. Contava para seu público indiferente – Porém, se for para errar, vai sem medo também, senta o pau e erra sem dó! Porque ter medo de errar é muita perda de tempo. Como dizem: "Gente certinha não conquista o mundo!"

Nesta eu pensei: – Só não faça merda demais! Existe um olho invisível te observando e vai te cobrar, com certeza!

Creio que ele tenha entendido minha observação, porque completou antes de sumir:

– Eu sei que estes conselhos são bem ruins, mas pensa bem, para ser banal não precisa de dica, né não?! Deu uma piscadinha malandra e foi desaparecendo com seu velho sorriso esperto no rosto.

Fui ficando sozinho de novo. Que alívio!

Quem me acha santo que me erre, mas não vem querendo me apavorar, meu tempo já foi.

Hoje, este meu tempo seria mais bem gasto internado, tratando as feridas, do que indo pra batalha. Mas, o problema é que me conheço e nem quero me subestimar, mas sei que é só me ajeitar que a bagunça começa de novo.

Não gosto muito destes papos que rolam enquanto estou com sono demais. As alucinações acabam acontecendo e sempre vejo quem não está lá.

Estas de dizer que tem gente de olho no meu e coisa e tal é uma bobeira sem medidas! Ninguém está nem me vendo, não tenho algo a oferecer que se queira pra caramba, mas o jogo é chato assim mesmo. Lembra dos olhos invisíveis?! Pois é, olham para cá também.

Sei lá! Não sei bem o que tem rolado nestes transes de sono terrível, mas uma coisa é certa, meu horário é depois das 14h, com certeza!

De qualquer forma, peço licença para essa ilusão que me pegou distraído! Vai que é Deus, ou um Deus da Terra! Destes que gritam nas igrejas, que rodam com tambores, que circulam nas tabas e ocas, dos poderosos que dirigem as regras?!

Apenas, licença!!!

Com o tempo aprendi que é preciso abaixar a cabeça e respeitar quem manda neste jogo!

– Apenas licença e me deixe passar! Deixei escapar em voz alta, ainda meio zonzo de sono.

O velho, que serviu de apoio para o gigante invisível, me olhou feio e retrucou:

– Sai você! Não vê que está atrapalhando a circulação e a descida das pessoas? Fica aí encostado na porta, que coisa!

– Ah! Ok, perdão! Temrazão, o senhor é quem manda!

Marcelo Raymundo - 20 ContosWhere stories live. Discover now