Conto 2 - Foto de um dia perfeito

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– As fotos não expressam o que vai em nossas mentes e almas! Ver esta foto, daquilo que eu chamo de "Dia Perfeito!" só estraga a real perfeição daquele momento!

Foi com este pensamento que a velha Dorotéia encerrava seu dia, diante de um álbum de fotos envelhecido e empoeirado.

Entre tantas, ela observava fixamente uma foto em especial, antes de ir deitar em sua cama, diga-se de passagem, muito bem arrumada, com colchas coloridas, travesseiros perfeitamente esticados, em um quarto grande e bem organizado.

Aquela foto, que há tanto não via, se tratava de um dia que ela intitulava como: O Dia Perfeito!

Em primeiro plano seu falecido marido, o Pereira, homem bom, elegante, carinhoso, admirador profundo de uma boa e barulhenta festa! Sua família, privilegiada e gigantesca, fazia de cada encontro um fervoroso e agitado carnaval.

Sempre animados, se encontravam frequentemente. As muitas tias, velhas e novas, tios bravos e garotões agitados, sobrinhas novas com suas bonecas no colo e outras com o fogo da adolescência, sobrinhos jogando bola no meio do salão, primos vigorosos e outros obesos, primas invejosas e confidentes, cunhados discretos e atrapalhados, irmãos rabugentos e cúmplices. No meio desta festa alvoroçada, entre vários amigos de infância do elegante marido, havia um que, em especial, se destacava na multidão... Alfredo Toupeira.

Para quem olhasse, superficialmente, como costumava ser, aquela foto apenas revelava seu falecido marido muito feliz em primeiro plano, ela logo atrás – enroscada na cintura dele –, e uma multidão de pessoas à volta do "casal" animado. Todos em plena alegria e contentamento. Porém, não imaginavam que, entre tantos olhares, aquele a quem ela correspondia com um sorriso aberto e entregue ao momento, tinha um significado mais do que especial!

– O Toupeira! Exclamou, juntamente com um suspiro desolado, a velhinha saudosa, em suas lembranças secretas.

Toupeira, grande amigo de Pereira, jamais o desapontara ou desafiara para nada. Sempre juntos e companheiros, era o homem de confiança de seu marido. Todavia, o que ele nunca suspeitou, era que na época, a jovem Dora – como a chamavam na infância –, tinha uma atração especial pelo belo e fiel amigo de seu marido.

Na realidade, ela o conhecera antes mesmo de ter qualquer coisa com seu único companheiro. Um romance quase platônico, que começou com alguns olhares interessados e presentinhos inesperados.

O então jovem Toupeira, que jamais desapontou seu melhor amigo, a quem considerava como a um irmão, nunca poderia imaginar que o Amor de sua vida, nunca seria sua de fato!

– Fotos! Estas captaram uma parcela tão pequena do que aquele dia representou de fato! Falou para si mesma, enquanto recordava as cores, os sentimentos e cheiros! Tudo muito mais intenso e envolvente do que aquela imagem estática em preto e branco.

– Como esta foto mascara a realidade! Agora, de olhos fechados, lembrava daquela festa linda e, com as mãos na boca, deu seu sorriso envelhecido.

Ela deitou em sua cama, mas não a desfez, apenas ficou ali... sonhando.

Toupeira abriu mão dela... apenas, desistiu.

Dizem que seu grande amigo revelou a ele o grande e profundo sentimento que sentia por ela. Isto, foi algo muito triste naquela época, pois ela era apaixonada pelo Toupeira.

Naquele dia, daquela foto, ela ainda não era a mulher de Pereira e nem sequer havia algo entre eles. Aquela foto revelava um momento qualquer, onde todos se divertiam em uma dança, onde a jovem Dora tinha certeza que ficaria com o Amor de sua vida... o Toupeira.

Ela, ao contrário de todos, inclusive o próprio Pereira, sabia que naquele dia o Toupeira e ela estavam muito animados e atraídos um pelo outro. Ela lembrava de seu perfume a poucos centímetros de seu rosto. De sua boca, seu sorriso encantador e de seus lábios, quase tocando os dela. O toque suave das mãos em seu rosto... das palavras fáceis e delicadas em seus ouvidos:

– Hoje, é um Dia Perfeito! Ele sussurrou baixinho.

Eles nunca concretizaram aquele Amor, aquele beijo ardente e verdadeiro que nunca foi dado, nunca concluíram o que era certo e claro.

Um desvio... um momento não aproveitado. Inexplicavelmente, ela passou a ser de outra pessoa.

Aquela foto, para quem a via revelava um dia feliz e festivo, onde um casal de jovens se divertia entre os amigos, mas não mostrava a verdade. O Amor estava lá, o verdadeiro Amor inundava aquela foto... mas não do jeito que deveria ter sido.

Ela fechou os olhos, sentiu uma lágrima escorrer em seu rosto envelhecido e... dormiu.

Marcelo Raymundo - 20 ContosWhere stories live. Discover now