Capítulo 2

355 95 474
                                    

          Ainda bem que escolhi criar um blog literário. Se eu escrevesse sobre moda, hoje estaria morrendo de fome. Não entendo nada de moda e odeio comprar roupas. É, sou uma mulher anormal. Ao menos é isso que meus amigos falam. Prefiro me classificar como uma mulher singular e com um gosto diferente da maioria. Quando estou com problemas ou estressada, minha forma de relaxar não é entrando e saindo de lojas para comprar roupas, bolsas, sapatos... Prefiro gastar meu dinheiro com livros, itens colecionáveis e trequinhos para enfeitar minha estante, suprindo toda a carência do meu lado geek. Confesso, sou consumista e colecionadora!

Quem é gordinha como eu, sabe o quanto é complicado encontrar roupas adequadas, que caibam em nós, sem nos deixar com a aparência de uma velha ou de um saco de batatas, em lojas comuns. Na minha adolescência não existiam lojas especializadas para manequim plus size, e encontrar uma roupa que me caísse bem era quase uma sessão de tortura. Não tenho muita paciência para ficar procurando roupas nos cabides e está fora de cogitação passar horas dentro de provadores vestindo roupas até encontrar uma que sirva.

Minha mãe, dona Lídia, sempre fazia o trabalho de encontrar as roupas e enquanto isso, eu esperava pacientemente o momento humilhante de ir para o provador escolher alguma. Acho que fui muito otimista ao falar "escolher". Tinha que ficar com a que servisse e me deixasse menos horrenda mesmo. Toda minha adolescência foi assim, fiquei traumatizada... e olha que eu nem era tão obesa. Meu problema sempre foi ter quadril muito largo e coxas grossas. Poderia ter sido uma modelo plus size se estivesse em alta na época. Meus pais se separaram, minha mãe casou novamente e agora mora com o atual marido em São Paulo, portanto fiquei sem a minha personal stylist favorita! Mas a vida foi muito boa comigo e me deu de presente a cunhada mais glamourosa que eu poderia ter e imediatamente ela ocupou o posto de minha mãe. Júlia, minha baixinha estilosa. É justamente para ela que peço socorro.

Pego o celular e digito o número de Júlia que atende após o terceiro toque.

- Alô, Júlia? Tudo bem cunhadinha?

- Clarinha, queria mesmo conversar com você! Estava pegando o celular para te ligar quando o telefone tocou. Transmissão de pensamento? Estou bem e você? – Júlia fala tudo de uma vez só, quase sem respirar e dou risada.

- Calma cunha, respire, você vai acabar engasgando. Aconteceu algo? – Falo sorrindo, mas confesso que fiquei um pouco apreensiva.

- Engraçadinha! Não aconteceu nada grave. Ao menos não ainda. Preciso de sua ajuda com os preparativos da festinha de aniversário de sua sobrinha. O dia está chegando e falta organizar ainda muita coisa. Estou enlouquecendo com isso!

- Ah sim! Adoro festa de criança! Sarinha já vai completar 5 anos... como o tempo está voando! Claro que vou te ajudar, mas estou precisando de sua ajuda também e é urgente!

- Hummm... tem algum encontro é? – Júlia sorri com sarcasmo e se diverte com isso.

- Ha ha ha ... – retribuo o sorriso sarcástico - Bem que eu gostaria que fosse esse o motivo de minha urgência hoje, mas não é. Lembra que fui convidada para uma entrevista naquele programa de TV?

- Ah sim! Claro que lembro! Ah meu Deus, já é semana que vem!

- Isso mesmo! Preciso que você vá comigo ao shopping agora e me ajude a comprar algumas roupas. Tenho que comprar algo para ficar bem apresentável no programa e não passar vergonha. Posso te pegar aí daqui a 40 minutos?

- Claro, claro! Estarei te esperando prontinha em 40 minutos. Daí aproveitamos para conversar sobre a festa de Sara.

- Júlia, em 40 minutos eu passo aí. Não vá me fazer esperar mais meia hora enquanto "você termina de se arrumar". Hoje meu dia está cheio de trabalho!

- Pode deixar cunha. Juro que estarei pronta te esperando. Beijinhos.

- Não sei porque não acredito em você... - Desligo o telefone sorrindo e o jogo em cima da cama.

Conheço muito bem a Júlia e sei que ela vai me fazer esperar. Ela sempre se atrasa, não importa o que vá fazer. Pego o note, sento na cama, organizo e programo algumas postagens para hoje e vou tomar banho. Vejo que tem vários comentários na foto que postei pela manhã no instagram, mas só responderei mais tarde. Deixo tudo encaminhado e vou tomar banho.

***

Que dia estressante! Definitivamente odeio comprar roupas. Apesar das meninas da loja Mulher GG serem um amor e da companhia alegre de Júlia, entrar em um provador de roupas me faz perder totalmente as estribeiras. Hoje não foi diferente. Não sei por qual motivo recordei de um momento bom que tive com o André Luiz. Geralmente acontece o contrário e sempre que vejo as pequenas cicatrizes de minha cirurgia bariátrica no espelho do provador, lembro dos momentos mais tristes de minha vida, mas hoje... hoje meus pensamentos me levaram para um período diferente. Um período em que eu estava apaixonada...

Agosto de 1995

Não sei por qual motivo as pessoas acreditam que é engraçado colocar apelidos depreciativos nos outros. Por fora sempre demonstrei não me importar com isso, mas internamente, essas coisas fizeram um grande estrago. Cada vez minha timidez aumentava mais e se alguém me procurasse em lugares que tivesse muita gente, com toda certeza me encontrariam nos recantos mais escondidos do local. Perdi as contas de quantas vezes quis me tornar um avestruz e enterrar a cabeça em um buraco para desaparecer. Tanajura, baleia, gordinha, peso pesado... eram os apelidos "fofos" que alguns idiotas diziam comigo. Nem sempre se dirigiam diretamente a mim, muitas vezes sussurravam essas palavras quando eu passava, no colégio ou mesmo na rua que eu morava. Todos riam e ninguém dizia nada para me defender. Nem mesmo eu dizia. Não conseguia falar nada, apenas ficava muito vermelha e esboçava um sorriso para esconder minha vontade de chorar. Sempre foi assim, até o dia em que André Luiz fez algo diferente...

No dia em que nos conhecemos acidentalmente na casa de Vanessa, ela me contou que André era nosso novo vizinho, portanto nos veríamos ainda muitas vezes. Assim como nós duas gostávamos de ficar na calçada de casa, os meninos também gostavam e acabei conversando algumas vezes com André Luiz. Conversar não era bem o que acontecia já que eu mal conseguia falar oi para ele. Era incrível, eu conseguia interagir com todos os outros, menos com ele e o maldito sabia disso pois adorava me provocar. Sempre que eu o via, meu coração dava mil cambalhotas, minha respiração ficava curta e meu estômago começava a dar voltas. Era difícil vencer as barreiras da timidez, apesar de toda a vontade que eu sentia de conversar com ele.

Em algum final de semana de agosto, fui chamar Vanessa e os meninos estavam conversando na porta de Valter. André estava com eles e Samuel falou num tom baixo, mas consegui ouvir: - Olha a Tanajura passando! Cai cai tanajura! – Todos começaram a rir, menos André. Vi quando André levantou, colocou o dedo na cara de Samuel e esbravejou:

- Você deveria deixar de ser um moleque e respeitar Maria Clara! Que palhaçada é essa de "Tanajura"? Você quer que eu comece a te chamar de "nariz de todos nós" para sentir o gostinho dessa sua brincadeira idiota? Maria Clara é linda! Uma das meninas mais lindas que já conheci, exatamente do jeito que ela é. Da próxima vez que te ouvir falar uma dessas idiotices, vou arrebentar sua cara!

Samuel baixou a cabeça com medo e creio que com vergonha. Eu não sabia o que fazer. Não sabia se chorava ou se sorria. A única coisa que consegui fazer foi olhar com os olhos arregalados para André por alguns segundos e sair correndo portão a dentro para a casa de Vanessa. Naquele momento me apaixonei ainda mais por ele. Se é que isso era possível.

Deixo essas lembranças de lado, desço para dar um beijo em meu pai que acaba de chegar do trabalho, pego uma xícara de café e volto para meu quarto. Apanho o note, sento na cama e começo a responder aos comentários de meus seguidores no vídeo e fotos de hoje. Essa é a única coisa que me fará relaxar. Que dia! 

_______________________________________________________

E aí, o que vocês acharam da atitude de André?

Deixe seu comentário e não esquece de curtir o capítulo!

Beijokas

Minha ResiliênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora