Um jantar estranho(16)

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Haltr foi guiado pela cidade por Sieh até um grande armazém de mercadorias. As inúmeras prateleiras abarrotadas de sacos, caixas e baús haviam sido afastadas e uma mesa de madeira rústica, mas resistente, havia sido colocada ali, bem no centro. Já se reuniam pelo local diversas outras pessoas com o queixo tatuado, que ele só podia imaginar serem Lustsis também. Haltr, Sieh e os pais dela estavam afastados da mesa no momento, seu pai, que se chamava Esron estava fazendo uma atadura no braço de Haltr, parecia um homem muito cuidadoso, enquanto isso Sieh relatava o que aconteceu a mãe, Ital.

- ... Ai eu decidi trazer ele para cá. - concluiu a jovem por fim.

- Fez bem, claramente isso foi um ato do destino.

Os olhos bastante expressivos de Sieh pareceram duvidar um pouco daquela declaração. E Ysmis se explicou para ela, embora as vezes olhasse para Haltr e sorrisse de modo gentil.

-Ele deu uma doação por livre e espontânea vontade, pelo anseio de seu coração. - dizia olhando de esguelha para Haltr - Seu único erro foi não ver que moeda escolheu para dar. Se não fosse essa confusão não teríamos mandado você procura-lo, e se não tivesse o procurado, não poderia ajuda-lo como ajudou. A partir do momento que o coração dele desejou ajudar ao outro, a teia do acaso se emaranhou para que enfim tudo acabasse bem e chegássemos a esse ponto. Sem saber ele salvou a própria vida com o ato de tentar nos ajudar. Tudo por que fomos gentis com ele para começar.

Esron terminou de atar um pano embebido em tônico para cortes e sorriu radiante para Haltr.

- Gentileza gera gentileza. - Disse como se recitasse um ditado - Uma boa ação paga a outra e faz o mundo melhor. Nosso milenato se prova correto de novo e de novo. Pela sabedoria dos quatro críticos. - dizia ele fervoroso.

- Eu... - Haltr não soube exatamente o que falar. Algo o incomodava - Muito obrigado mesmo, de verdade. Mas eu acho que não fiz tanta gentileza assim. Eu dei a moeda por engano... só isso, e depois a aceitei de volta. - Dizia ligeiramente envergonhado - No final vocês não ficaram com nenhuma doação, e estão me ajudando ainda mais. Não sei se é tão justo assim...

- É aí que você se engana. Há sabedoria em sempre tentar enxergar os bons atos. Você quis ajudar, sua boa intenção foi o que salvou a sua vida, entende? Agora você é uma prova viva de que nossa doutrina está correta. Quanto mais o ajudarmos, mais seu coração se inclinará a ajudar outros, e assim à gentileza prosperará sobre essa terra. – Explicou Esron contente.

Haltr ficou boquiaberto com aquilo. Entendia o sentido do que eles estavam dizendo. Havia certa lógica, se tudo funcionasse perfeitamente. Um mundo onde todos fizessem bem ao próximo acabaria fazendo mais e mais pessoas se inclinarem a fazer o bem. Mas após uma vida inteira em Porto negro, era difícil acreditar em algo assim, considerando que existiam pessoas como o tesoureiro e o prefeito mundo afora. Considerou-se com sorte por encontrar pessoas assim.

- Venha, vamos jantar. É nosso convidado hoje. - Dizia Ital animada.

- Eu já almocei - Esclareceu, embora não se importasse em comer mais.

- Então já deve estar com fome não? - Questionou a Lustsi.

- Não exatamente - Disse Haltr confuso - Foi a uma hora atrás mais ou menos.

- Então não foi almoço, foi janta. Você deve estar meio perdido, esteve de viagem não?

Haltr confirmou com a cabeça. Começou a se perguntar se o relógio do navio tinha um horário diferente do da cidade.

- É normal perder a noção do tempo, às vezes cada local usa um horário diferente. Mas Agora é o período da janta em Turach, e depois o de se recolher. Pode dormir conosco também, se desejar. E está convidado a jantar novamente, se ainda tiver fome.

Entre a escuridão e a auroraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora