Intimado

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Mais uma noite mal dormida e novamente iria começar o meu dia com poucas palavras e muito sono.

Tentei puxar um assunto qualquer com minha filha, mas rapidamente fui interrompido com alguma grosseria sem sentido e uma cara de poucos amigos. Esta tinha herdado todo o meu humor de poucos amigos. Parecia uma copia de mim mesmo, quando eu tinha a idade dela. Não, creio que um pouco mais insuportável!

Vendo que eu poderia acabar mais irritado do que deveria, voltei ao meu silêncio habitual e deixei aquela tentativa de um diálogo descente para uma outra hora.

Como pode uma menina ser tão parecida comigo? Ela podia ter puxado a graciosidade e a alegria da mãe, mas a genética parecia ter outros planos para o emocional dela. O que fisicamente tinha da mãe, psicologicamente tinha de mim, por isto, seguimos adiante em igual silêncio e "alegria".

Cheguei mais cedo do que o esperado em meu trabalho, mas com a fome de sempre.

Por precaução, achei melhor não ir para a padaria, assim, evitaria os marginais e o Jack, mas um corpo viciado era um corpo viciado, precisava de café.

Pensando bem, eu já estava colaborando com eles. Precisavam de minhas informações e medo de cara feia não era a minha, já tinha passado desta fase da vida há muito tempo.

Diga-se de passagem, não era a primeira vez que via a coisa feia assim, bem de perto.

Lembrei de uma visita inesperada, mas daquela vez não foi a do Jack e sim de seu maior rival.

Eu estava brigado com o Jack há muito tempo, mesmo com ele me cercando quase todos os dias.

...

Era uma tarde preguiçosa e sem grandes planos, o carro que surgira repentinamente do outro lado da rua, parou a poucos centímetros de mim, espirrando uma poça de água da chuva que havia caído torrencialmente no dia anterior.

Resmunguei para mim mesmo alguma coisa e até pensei em reclamar, me exaltar, contrariando a minha natureza habitual, um cara discreto e observador diante das pessoas e acontecimentos, mas quando vi a figura que descia do automóvel, apenas me resignei em fechar o rosto, encostar novamente no muro onde estava e continuar em meu silêncio, exatamente como estava.

Antes de ver o motorista por inteiro, quando a porta do carro se abriu, um bloco de fumaça escapou de dentro do veículo e, só então, pude ver o sujeito que pilotava aquela "barca".

Um "armário" tatuado, de roupas surradas, de olhos pequenos e avermelhados. No seu braço gigantesco, de quem sabe o que é carregar peso e socar a cara de um idiota, surgiu, graças a sua camisa sem mangas, um belo motivo pelo qual me fez abaixar a cabeça e desviar os olhos, mas mesmo de relance, podia-se ler em letras grandes, no estilo gótico, mas muito bem legíveis: Encrenca!

Ele parou ao lado de seu carro, muito próximo de mim e erguendo um charuto entre seus dedos lotados de anéis, respirou fundo, enquanto retirava o isqueiro do bolso. Senti que ele me encarou e, só então, o reacendeu, continuando com sua fábrica particular de fumaça. Em seguida, colocou um óculos escuros, cobrindo seus olhos ameaçadores, ajeitou o chapéu de abas curtas e deu uma forte tragada.

Sabe quando você sabe que se deu mal? Quando você sabe que está em um péssimo lugar, mas também tem consciência de que se fizer um mínimo movimento vai ser pior ainda? Eu estava exatamente nesta posição e daria tudo para alguém me chamar ou para que qualquer coisa acontecesse e me retirasse daquela situação, mas eu não podia fazer nada... apenas aguardei o que o destino me reservava!

– No que você se apega? Começou um diálogo comigo, o monstrão de uns dois metros de altura, o "Sr. Encrenca", como o apelidara "carinhosamente", no instante em que o vira de frente.

Conflitos - Entre Jack e GodWhere stories live. Discover now