Resgate

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Fechei meu escritório e fomos até o carro impressionante e importado do Jack. Pela quantidade de botões e luzes, aquilo parecia mais uma nave espacial.

Observando o painel maravilhoso lembrei quando comecei a estranhar de vez o Jack e suas contradições.

Foi naquele tempo que descobri que ele era um demônio.

...

Ele havia desaparecido com a Gilda, algo muito difícil naquela cidade pequena em que eu conhecia toda a malandragem. Era um enigma desconcertante e desanimador que destruía nossa felicidade em estarmos juntos, tanto que a pequenina Rebeca, não resistindo a perda da irmã querida, com uma depressão tremenda que a consumia visivelmente, a entristeceu de tal maneira que a matou em pouco tempo.

Eu estava desesperado e sem rumo, ainda não conhecia o Outro, por isso tinha dificuldades em fazer alguma reza, ou pedido, ou qualquer coisa que o valesse, para trazer paz para a Valquíria e para mim. Dependíamos um do outro, estávamos sós e desamparados.

Um dia, estava ao lado do Jack, no quintal da casa da Valquíria, quando ela trouxe uma vela e uma jarra cheia de água. Não sabíamos o que ela iria fazer, por isso, apenas permanecemos em silêncio.

Ela sentou-se em uma mesa de madeira, muito bem construída pelo ex-marido, que ficava ali no fundo de seu quintal, esticou uma toalha branca e ascendeu a vela igualmente branca que segurava junto a um pires transparente. Retirou de dentro de sua bolsa uma bíblia, esticou sua mão para mim e pediu que se juntasse a ela a uma reza que aprendera com sua avó.

Me sentei em silêncio e fechei os meus olhos, em forma de respeito, na seqüência, o que vi foi o Jack desesperado, como se tivesse visto o fantasma mais horroroso de sua vida, saindo correndo do quintal da Valquíria e se negando a entrar ali, para sempre.

Ela fez sua reza, eu acompanhei em silêncio me sentindo bastante incomodado, mas fiquei até o final, ou melhor, resisti bravamente, pois me sentia quente, dolorido e com uma vontade louca de acompanhar o Jack em sua fuga.

Quando acabou a reza, ela simplesmente pediu licença, apagou a vela, serviu o copo de água, que tomei aliviado, pois me proporcionou grande paz e serenidade. Ela, tomou o copo de uma vez e, sem dizer palavra sequer, fez que iria entrar para a casa novamente, resignada.

Achando estranho que ela não comentara nada sobre a reação que o Jack tivera, perguntei se ela não achou aquilo esquisito. Ela me olhou com uma cara de espanto, de quem não sabia do que eu estava falando e depois olhou ao redor, para o vazio, dizendo:

– Você estava aqui sozinho há horas e falava sozinho o tempo inteiro, como sempre, Marçal.

A princípio, achei esquisito o que ela me dissera e até desconfiei ser alguma piada, ou coisa do tipo.

Só perdi aquele sorrisinho bobo da cara quando percebi que ela estava bem lúcida e que não havia a menor dúvida em suas palavras, mesmo eu insistindo na presença dele por ali.

Não havia nenhum Jack comigo, como nunca houvera. Ninguém jamais o vira?!

– Como nunca houve? Eu te falei dele varias vezes e ele esteve aqui conosco, até saia com sua filha a Gilda.

– Não, Marçal! Você nunca me apresentou este rapaz e a Gilda nunca namorou ninguém com este nome. Ela nunca me apresentou este rapaz que você está falando.

Estava abismado com aquele assunto, até cheguei a duvidar da sanidade da Valquíria, mas ela me parecia tão indignada quanto eu, por isso, perturbado e assustado, com toda aquela história, como se fosse tudo uma grande loucura sem sentido, abri a porta e sai correndo em direção à minha casa com a intenção de encontrá-lo para saber o que significava tudo aquilo.

Conflitos - Entre Jack e GodOnde as histórias ganham vida. Descobre agora