42 passos

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Desde que me entendo por gente, passei a não confiar no ser humano. Egoístas, corruptos e amargurados, criaram um mundo onde existe paz baseada em guerras improváveis, beleza baseada em padrões e felicidade baseada em materialismo. Tudo tem o seu preço, tempo é dinheiro, e você sempre estará nas mãos deles, não importa que tipo de liberdade eles declarem. Como se não bastasse, eles fazem de vocês um deles, para que o ciclo continue. Entretanto, existem aqueles que escolhem não ser dardos para os alvos que eles designam, e eles os chamam de anarquistas, loucos. Alguns deles revolucionaram todo um sistema para fazer um mundo melhor, mas foram engolidos pela ganância. Outros criam um mundo com a própria mente e tentam viver de acordo com as próprias regras, e são chamados de sociopatas, psicopatas, doentes mentais. Eu sou um deles.

Nunca suportei a realidade. Então, em um ato desesperado e defensivo, criei o meu próprio mundo, um que pudesse agradar meu ser. Porém, negligenciaram a minha maneira de lidar com tudo e todos. E em uma guerra onde era só eu contra o mundo, eu não pude vencer.

A minha vida se resumia a quatro paredes e homens de branco que me davam coisas estranhas como pílulas, injeções...até mesmo comida. Quando eu não queria fazer os chamados "exames diários", me colocavam de castigo. Com um casaco que prendia meus braços, eles faziam coisas que nunca compreendi contra a minha vontade. Eu cresci tentando lembrar da família que tinha antes de tudo isso, mas os benzodiazepínicos não me deixavam lembrar de muita coisa. Porém, em uma certa manhã logo após um castigo, ele apareceu.

Surgiu um amigo, alguém que realmente se importava comigo. Ele conversava comigo quando os homens de branco iam embora e me explicou coisas que eu nunca havia compreendido. O porquê de eu estar ali, porque aqueles homens faziam isso, e porque ele agora estava lá para mim.

Logo após sua chegada, os homens de branco começaram a falar nomes como esquizofrenia e múltipla personalidade. Ele disse que eram os rótulos que eles davam para coisas que eu fazia, e também me disse para parar de falar com ele em voz alta - os homens de branco pareciam não gostar dele. Dessa maneira, eu conseguiria sair de lá.

O problema é que eles eram espertos. Com pranchetas cheias de coisas escritas depois de alguns procedimentos que em mim faziam, aqueles malditos papéis contrariavam minhas ações, e eu não podia enganá-los. Sem saber o que fazer, eu pedi ajuda ao meu amigo, já não encontrava alternativas para sair daquela prisão sozinho.

"Se me deixar assumir, resolverei seus problemas. Prometo suprir suas necessidades, e, dessa vez, o mundo será à nossa maneira. Mas você teria que ficar no meu lugar."

Eu nunca confiaria no ser humano,mas sabia que poderia confiar naquela voz amigável que me conduzira por tanto tempo. Desde aquele dia, eu não pude mais fazer escolhas. Por outro lado, eu nunca mais tomei nenhum Diazepam.

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As coisas são feitas à minha maneira agora. Não mais na platéia, mas no palco exercendo meu espetáculo. Ele sempre foi fraco demais para a realidade, era questão de tempo até que cedesse.

Eu nos mantive vivo por muito tempo. Nos misturamos aos normais facilmente, mas ele se perdeu. Ingênuo demais, se cegou pelas coisas que o mundo oferecia. Eu sabia que ele iria se tornar como um deles, que no fim, seria rejeitado pelo mundo, se tornaria vazio e eu não poderia mais estar lá para protegê-lo. Como uma criança vendo brinquedos na vitrine, ele buscava por "felicidade" além de mim, a partir das coisas da vida.

Ele não me deu ouvidos, e conseguiu assumir de novo por um dia. Nesse um dia, falou com a garota da cafeteria que tanto conversava sobre comigo para conhecer. Ele sempre a observava e agora que a conhecera, queria assumir de novo. Sempre fomos nós dois contra o mundo, ele não podia simplesmente adicionar mais alguém.

Devaneios e Narrativas Com Muita CafeínaМесто, где живут истории. Откройте их для себя