Piano Bar#1 - Judite em Vermelho

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        Sexta-feira. Andava desanimado na multidão do Blue Moon Café. Eu só queria beber alguma coisa, o motivo peço a todos que não me perguntem, eu tô mal, compreendem?

        No meio daquelas pessoas que se apertavam, encontrei próxima do balcão uma figura conhecida, a jaqueta vermelha, a bolsa vermelha, a saia igualmente vermelha acrescida do cabelo vermelho, somente quebrado pela blusa branca, só podia ser Judite. Judite tinha fama de estranha, mas era legal. Sentei ao lado da única pessoa conhecida naquela multidão.

        - Boa noite, Ju! - abri meu sorriso mais sonoro pra conseguir uma conversa e quem sabe uma carona se eu beber muito.  

        - Não vou beijar você, Jota! - respondeu imediatamente - Já estou avisando.

        - O quê?! - respondi desconcertado - Do que está falando, Judite? 

        Minha interlocutora parecia não querer olhar pra mim, entretida com seu canudinho de drinque monotonamente vermelho também. Continuou a conversa como se eu fosse um estranho. 

        - Eis aqui um velho colega de quebrada, que sei que teve uma semana horrorosa, e se aproxima de mim todo sorridente. Eu sei como é... - falou de forma defensiva.

        - Mas eu não poderia estar vindo até você apenas por que te reconheci na  multidão? 

        - Pior ainda, como você não conhece ninguém, me viu como prêmio de consolação, não sou dessas de fazer favores. - pareceu um tanto convencida.

        Judite estava conseguindo a proeza de me irritar mais ainda e eu pensava que não podia piorar:

        - Judite, você tá certa que tive uma semana braba, mas você entendeu tudo errado.

        - Ninguém está cobrando nada, Jota,  você não é nada meu... Aliás, espero que tenha terminado com a Sofia de vez pra sair à caça desse jeito. 

        - Não estou vindo caçar nada... - já estava ficando furioso e bufando pra abstrair - só vim tomar uns copos, conversar com alguém e ouvir música, só isso! E sim, terminei com a Sofia no início da semana. Estou chateado e só!

        - Mesmo? E eu não seria só um motivo de ciúmes pra ela?

        - Não tem a ver com você! Estou com mais raiva que dor de cotovelo. Acabou! Eu só queria alguém pra conversar... Aliás, você tá bem convencida! 

        Judite mudou o tom, aparentando certa humildade e desentendimento das minhas palavras, quando o garçom passou por nós.

        - Eu??? Desculpe,  antes de mais nada, aceita uma bebida? Vou pedir o mesmo drinque pra você! - O garçom anotava e saiu da nossa frente - Eu nem sou bonita, é só porque sou mulher e estava na sua frente.

        - Ora, mas você é bonita, sim... a questão é...

        -  Não, sou uma mulher esquisita com mania de vermelho.

        -  Que isso, mas o visual vermelho combina com você.

        Judite parou por uns segundos e riu envergonhada:

        - Obrigada, agora vou ficar vermelha mesmo. -  e mudou pra um semblante triste - Mas no fundo sou esquisita, sim. O Douglas terminou comigo pra ficar com uma patricinha loira cheia de modinha. A gente que é esquisita, é só passatempo.

        - Mas ele não te merece, é porque você é uma garota legal e muito bonita, caras assim não sabem lidar com isso.

        - Mesmo? Que gentil. Se alguém como você me beijasse, seria porque me curte de verdade, não é?

        - Claro que sim!

        - Que fofo você! - voltou a ficar corada.  

        Num ato rápido, Judite pegou meu rosto e sem me dar nenhuma reação, me beijou intensamente. Eu tentava raciocinar como tudo descambou pra aquilo, mas era inútil. Melhor aceitar aquele golpe de sorte.  Acho que era um momento de fraqueza, mas quem se importa?

        - Obrigada, - riu timida - eu desconfiei de você, mas sei que estava bem intencionado. Acho que precisávamos. Preciso ir ao banheiro, você espera?

        Ela levantou e eu suspirava. O amor podia acontecer da forma mais simples. Quem sabe o destino estava me dando uma chance de curar aquela ferida que me levou pra lá? Mas não vamos ser apressados.

*      *      *

        No banheiro, Judite ria sozinha quando foi abordada pela amigas que a cercava:

        - E aí, miga? Deu certo?

        - Sim! - pegava um cigarro e mostrou todos os dentes - Eles sempre caem! Eu recomendo mesmo o "não vou te beijar" pra vocês. Imagina os filhos que eu vou ter com o Jotinha! - deixou cair sua voz na tonalidade mais aguda -  Já tô pensando no jantar com os pais dele!

Piano BarWhere stories live. Discover now