Piano Bar#2 - Joelhos de Layla

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Acordei como num sobressalto. Não era minha cama, nem era minha casa.
Era o Blue Moon Café, meu bar preferido de final de semana.
Mal tinha compreendido o local que tinha dormido, demorei pra entender ONDE tinha dormido.
Nos joelhos de Layla, uma antiga amiga de colégio, que me olhava com um ar tênue entre o sono e o sarcasmo.
- Enfim, você acordou. Bom dia, Milton!
Eu tentava me recompor, espantado e envergonhado. Levantei igualmente sobressaltado:

- O que houve?! Por que estou aqui?! 

- Deve estar se perguntando: será que estou passando da bebida e vendo velhos fantasmas? - bebia um copo azul com canudinho - A primeira coisa sim, você bebeu muito. A segunda, não. Estou vivinha e aqui mesmo! Você estava sumido.

Layla continua descontraída, balançando seus cabelos dourados e ajeitando o vestido de tubinho azul marinho, como se ainda estivesse na balada, com naturalidade. Mas apenas havia o silêncio de domingo que marcava aquele bar nos acompanhando. Ao fundo, vi Jonas, um garçom conhecido meu, passando o vassourão no piso e levantando cadeiras sobre a mesa. Tentei me situar e seguir a estranha situação. 

- Sei que estou sumido. Três meses. Mas ainda tentando lembrar. Você ainda está bebendo desde ontem?

- Ah! É só água com gás. Servido?

- Sabe que odeio essa coisa! - virei-me pra Jonas com o meu típico gesto de pedir - Por favor, pode me trazer um café?

- Não temos café! - respondeu de longe o atencioso garçom.

- Essa é boa! - riu Layla irônica - Que lugar é este que tem "Café" no nome mas não vende Café?! Mas eu vou te explicando o que houve ontem. Vamos continuar o papo de ontem. Como vai então, Milton das Dores?

- Bem, das Dores estou melhor, já tinha resolvido a apendicite, tanto que pude voltar a beber.

-  Voltar a beber... - acentuou as reticências - Das dores físicas você cuida, mas quando você quer beber, sei que são outras dores que você tem.

Antes de deixá-la continuar, fiquei pensando se minha interlocutora já não tinha ouvido algum desabafo de bêbado antes de eu dormir no sábado. Decidi devolver a gentileza.

- E como você vai? Afinal, fazia meses que não te via. Não lembro se já lhe perguntei.

- Eu te disse ontem. - riu e aumentou o tom de voz - Estava com um cara, mas joguei ele pra escanteio!

- Sei, no mínimo você largou ele antes que ele te largasse. - devolvi na hora um ataque.

Layla pareceu engolir seco a água gasosa. O garçom passou perto de mim e sem pedir me deu outro copo de água com gás. Ela parecia fazer força pra manter o sorriso. 

- He hehe! É isso! Homem é bicho complicado. Nunca se sabe quando está de mau humor, sempre se remoendo por dentro. Como aquela vez, que você saiu sem dizer nada... E só voltou ontem!

Meu sangue subiu na hora. Naquele dia, eu havia me preparado pra partir pra cima de uma amiga de Layla. Mas uma piadinha dela sobre minha roupa do avesso e as gargalhadas ininterruptas das amigas me fizeram sair discretinho. Ela lembrava! Filha da mãe! 
Preciso tirar o foco disso!

- Bom,mas é incrível a capacidade que as mulheres têm de reclamarem sempre de qualquer coisinha, não tem homem que agüente. Estava com a Débora, e por causa disso não vingou. - dei minha grande cartada. 

Até o garçom parou de varrer quando falei. Débora tinha sido minha grande conquista pessoal com aquele rostinho de boneca e corpo escultural.   

- Ih, a Débora Furacão!Mas ela é meio enjoadinha mesmo. - Layla largou a postura misteriosa, para simular uma fala nasal - "Eu sou bonita, sou gostosa, sou Débora!" Também, vocês estão sempre atrás da mais... modelo de cinema. - e voltou a voz para um suspiro e pôs a mão no peito -  A mulher busca uma coisa mais do sentimental!

- Mas as mulheres só correm atrás de um cara se for do Brad Pitt pra cima. - a interrompi -  Quem correria atrás de um cara como eu? E quer saber? Eu fico indignado com essa mulherada que você se esforça pra ser legal com elas, e elas ficam com os caras que não prestam, é aquele mesmo, estilo largadão, cafajeste! - aproveitando a imitação decidi afinar minha voz e imitar a ultima mina que me deu um fora - "Você é um sujeito bacana, simpático, doce, tudo que eu quero... Mas o Tonhão da Maldade, que estufando o peito rasga a camisa tá tão sozinho, carente, tadinho...".

Eu via Layla prender o riso, tentando se manter com pulso firme na discussão. Me perguntava se Jonas escutava a conversa, quando pôs no som ambiente o disco do Eric Clapton e organizava os copos.

- OK, querido. Mas e quando nós somos super-legais com os caras eles ficam com aquela colega nojenta  - e pela segunda vez, vi Layla perder a voz misteriosa para encorpá-la como homem e falar - "Aí, gata! Tu é uma jóia, mas cê sabe, num sô surfista pra pegar tábua... 

Não resistimos e começamos a gargalhar loucamente.  Os olhos de Layla pareciam mais ternos. Essa mina sempre foi um mistério pra mim.

- O que ocorreu ontem foi que nos encontramos meses depois. Já tinha bebido muito martini pois tinha terminado meu caso com um cara mais velho e ciumento, só pra variar, e jurado não repetir mais essa cilada.   Pensei que tava mal, mas você chegou pior do que eu, por causa de alguém que eu não sabia, até agora - parecia xingar Débora em pensamento - me aliviei ouvindo você, e agora que sei quem era a nojentinha. Tomou tanta vodka que dormiu no meu colo. 

Fiquei vermelho de vergonha, mas deixei ela prosseguir a história, já que me ajudava a relembrar. Para minha surpresa, Jonas trouxe dois cafés improvisados. O cara não só não nos expulsou, como trouxe cafés! Uma gentileza ou um cura-ressaca, eu agradeci muito ao garçom que esperava por nós sairmos na máquina de Fliperama ao lado do balcão.

- Se seguir o significado do meu nome, você realmente "dormiu no colo da noite"... Tinha gente que achou até fofo, mas quando o Jonas foi me avisar que o bar já tinha fechado, eu tava tão grogue que não conseguia levantar. Nos deixaram aqui sob vigia do Jonas. Ele é um fofo. Só assim pra eu ainda acreditar nos homens.  Homem é esquisito por ser homem.

- Como? Não entendi.

- Cê sabe! Como é que a gente gosta disso? - olhou pra mim como se eu fosse um alien.

- Mistério maior pra mim, é gostar disso. - apontei pra ela de cima e embaixo, e percebendo como aquele vestido tubinho era chamativo e como o rosto dela era encantador. - Mas, acho que não vivo sem...

- Quem desdenha quer comprar, Milton! - deu uma risadinha cúmplice.

- Digo o mesmo!...  Mais um gole, almoço executivo e filminho lá em casa? 

- Já ia fazer essa pergunta!

Num sussurro enquanto nos levantávamos, quase ouvi Jonas sussurrar: 

- O que a gente não faz pela sobrevivência da espécie...

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⏰ Last updated: Mar 22, 2021 ⏰

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