Capítulo XXVII: Elegia

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"Eu não consigo esquecer

Você é cada parte de mim

O espaço entre nós é só um sonho

Você nunca estará sozinho"

"Speak To Me" da Amy Lee

"Speak To Me" da Amy Lee

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A CAMA PERMANECIA arrumada há dias, sem um friso sequer nas cobertas frias, tendo um vestido nunca usado como companhia desde a noite anterior. O espelho da penteadeira se encontrava coberto com veludo preto, colocado por Adaryn. Clarice a observara em silêncio, sentada no sofá — que havia se tornado sua "cama" — próximo à estante de livros e abraçando as próprias pernas, no dia seguinte à morte de Daniel. Ambas haviam trocado apenas olhares complacentes antes de a governanta voltar a deixá-la sozinha.

Na mesinha em frente, o café da manhã intocado que Siouxsie fizera questão de levar. A menina ficara sentada ali, dividindo o silêncio e o luto da amiga por alguns minutos até Keira surgir, pedindo que se arrumasse. A Sra. Sanderson esperou a sobrinha sair para fechar a porta e, a passos tão leves quanto sua respiração, caminhar até Clarice. Não era a primeira vez que a via naquela posição, encarando o vazio com os olhos baços. Preocupava-a vê-la dessa maneira, sem saber o que dizer para levar um pouco de conforto ao coração aflito da filha adotiva.

— Não precisa estar presente no enterro — falou, enfim, sentando-se ao lado dela. — Gabriel não ficará chateado.

Clarice respirou fundo e Keira viu os lábios da menina tremerem à medida que os olhos se enchiam de lágrimas; nenhuma escorreu, contudo, pelo seu rosto abatido. Precisava estar presente no funeral do próprio pai, disso tinha certeza, mas não conseguia se mexer, presa àquele ao lugar onde estava. Sua mente criara as algemas que a mantinham ali, lembrando-a do medo real que a cercava. As luzes do seu quarto permaneciam acesas durante toda a noite e como decidira não faltar mais suas aulas, quase dormia durante as explicações. Os professores não chamavam sua atenção e Dominique a ajudava no que podia.

O único que não a visitara havia sido Gabriel, que fizera questão de cuidar dos detalhes do enterro de perto. Em parte, incapaz de delegar todas as funções a um agente funerário. Além disso, faltava-lhe coragem de encarar a própria neta.

— Claire? — A menina notou uma silhueta entrar em seu campo de visão e levantou o olhar, encarando Keira sem enxergá-la de verdade. — Venha. Darei um jeito no seu cabelo e a ajudarei a se vestir.

Ela se levantou com dificuldade, só então tomando consciência de quão dormente suas pernas estavam, e foi guiada até a cadeira da penteadeira. As mãos de Keira em seus cabelos eram tão gentis quanto as cerdas da escova, desembaraçando cada nó com delicadeza. Clarice manteve sua atenção na redoma de vidro, desejando estar naquele pequeno jardim, cercada apenas pelas plantas e inocência; mergulhada na mais pura ignorância.

O Ciclo dos Pesadelos: ObscurumOnde as histórias ganham vida. Descobre agora