29 dias antes do epílogo da Parte I
Naquela manhã, Anne tinha ido embora. Sentado na beirada do lago do castelo, percebi o quanto as coisas são efêmeras. Passam e passam. Como as pequenas ondas que o vento provocava na superfície da água. Como as flores coloridas do jardim, que nem sempre se abrocham.
Por um lado, isso poderia significar que o tempo cura tudo.
Minha mãe morreu. Quinn morreu. Vento sumiu. A dor ainda existe, porém diminuiu. Talvez não cure, amenize, porque vamos esquecendo, talvez nos acostumando.
É, vamos nos acostumando. Nos acostumando com a ausência, o vazio. Pessoas vão, outras chegam. Coisas vão, outras chegam. O passageiro é o único eterno. Talvez por isso devêssemos nos apegar ao momento e aos que vivem conosco agora, como mamãe costumava dizer. Aproveitar cada parte e pedaços deles enquanto pudermos.
Engraçado que ela estava entregue demais à sua curiosidade e empolgação para perceber que também não nos desfrutara tanto quanto poderia ter desfrutado. Mas ela foi feliz, isso tinha quase certeza, e nos fez feliz, é o que importava no fim das contas. Existem tantos aproveitares diferentes afinal.
Quiçá aproveitar a vida seja simplesmente um balanço de aproveitares. Um balanço tão preciso de tantas partes que o transbordaria como o mar.
E pessoas... Pessoas talvez fossem o de mais passageiro que há. Pessoas passam e passam.
E, por isso, observando as flores embaçadas que nem sempre estavam lá e as ondas que só corriam quando brisa há, eu me levantei.
♒
- Matilda? – abri de leve a porta de seu quarto, o suficiente para uma fresta em que meu rosto coubesse.
- Owen? – de onde estava, acomodada em um banco de frente à janela, minha irmã fitou-me – O que veio fazer aqui?
- Margaret me disse que estaria aqui. Vim só conversar.
- Tudo bem. – deu uma pausa, o verde-água de seu olhar mirando seriamente o azul do meu - Pode entrar.
Prossegui com uma certa relutância e fechei a porta atrás de mim.
- Por que não está treinando?
Ela deu uma risada seca.
- Você pensa que só faço isso, Owen?
- Na verdade, não – parei em frente a ela – Mas sei que te faz bem.
- Uhn... – exprimiu sem emoção nenhuma. Logo fez sinal para que me sentasse ao seu lado – Venha, fique à vontade.
E assim o fiz. A janela não devia passar de alguns palmos, contudo o azul fora dela era transpassado por uma quantidade confortante de raios de sol, jogando uma iluminação lúgubre sobre nós. O chão de pedras recebia um aspecto dourado sútil.
- Está pensando em Anne também? – mirei-a, seus olhos pareceram se tornar levemente amendoados com a luz.
Matilda me correspondeu com soturnidade.
- Um pouco – logo se corrigiu - Quero dizer, claro.
Concordei com a cabeça.
- Ela é metida e chata, mas é nossa irmãzinha – completou. Eu ri. De repente, começou a monologar – Anne foi sempre muito inteligente. Sempre resgatou de rostos sem expressão os mais diversos sentimentos. Sempre a admirei por isso, essa capacidade de...
- ...Entender?
- Não exatamente isso. Uma capacidade de... ler os outros, eu acho. Ela vê as coisas de um jeito próprio – subitamente, um sorriso brotou em sua face - Sem "se"s.
Eu gargalhei.
- Ela vê – balancei a cabeça, com os lábios arqueados - Acho que todos vemos o que há ao nosso redor do nosso próprio jeito. Como vitrais fazem com a luz.
- Acho que sim.
- Às vezes eu penso que um mundo sem "se"s seria muito triste.
- Por quê? – ela estreitou os olhos.
- Sem "se"s tudo seria exatamente como é, não poderíamos pensar em possibilidades. Imaginar cenários mais felizes. Sem "se"s a vida seria... Só a vida.
- Mas isso não é a realidade.
- Não, não é, porém de vez em quando eu gosto de me iludir. É bom – disse e, de repente, mesmo tendo a noção da tolice que tinha acabado de proferir, nunca me senti tão sincero.
Ela riu, me fazendo arregalar os olhos.
- Owen, você é muito bobo – um sorriso sem dentes tomou conta de seu rosto e, pela primeira vez na vida, eu senti que ela não dissera aquilo por mal.
- Eu sei – e, pela primeira vez, eu não me importei – Só imagine apenas, Matilda... Como seria se Anne ainda estivesse aqui.
- Se Anne ainda estivesse aqui, nós não estaríamos tendo essa conversa.
É verdade.
- Eu queria que tivéssemos tido mais momentos assim – a encarei seriamente, ao mesmo tempo em que eu estava longe - Nós três.
Ela enrugou a testa:
- Nós ainda podemos ter – refletiu com leveza, me surpreendendo, até que acrescentou... – Mas eu não sou garantia de nada.
Eu ri.
- Você não muda nunca, não é?
- Como se você mudasse – ela sorriu. Eu correspondi.
De repente, alguém abriu levemente a porta:
- Por Deus, nem acreditei ao perceber que os risos estavam vindo daqui! – Brendo colocou o rosto para dentro – Vocês estão bem?
Matilda lhe lançou um olhar irritado.
- Desculpem-me – tive a impressão de que ele se encolheria. Brendo costumava reagir assim quando suas piadas não davam certo, porque elas muito raramente davam certo - Margaret me disse que vocês estariam aqui.
- Só ela mesmo – minha irmã revirou os olhos, contudo estava sorrindo – Daqui a pouco todos saberão que estamos aqui.
- Há algum problema se eu me juntar a vocês?
- Claro que não – a resposta espontânea de Matilda fez ambos de nós arregalarmos os olhos, o que a fez contrair o cenho para nós.
Ela foi tão... Aberta?
"Conversar", pensei. Conversar abria as pessoas. Conversar era quase como... Libertar a alma. De certa forma, conversando todas as mazelas eram compartilhadas e te corroíam um pouco menos por dentro. De certa forma, conversando todas as alegrias e sabedorias eram compartilhadas e mais pessoas podiam desfrutar delas.
Meu amigo se acomodou ao meu lado, interrompendo meus pensamentos e juntando-se à iluminação lúgubre. O encarei com um sorriso:
- Foi uma boa piada, Brendo.
--//--
Oie ♥ Como vão vcs? Tõ tão empolgada de ter postado esse capítulo XD Eu amo tanto o Owen, gente, sei lá porque, acho que amo todos os meus filhos hahaha Enfim, esse momentozinho dele com a Matilda enche muito meu coração. Espero que tenha feito o mesmo com o de vcs ♥ E essa música não é linda?? Críticas construtivas e opiniões que tiveram ao ler são super bem-vindas :33 E não esqueçam de votar tbm :) Quarta eu volto com um capítulo da Jose bem gigantão. Fui o/
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