IV - REAL (Febe)

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31 dias antes do epílogo da Parte I


Se o pouco de História que estudei com Asher me ensinou alguma coisa, é que a realeza e a nobreza viviam se enganando, se matando, se iludindo, e sempre achavam uma forma de colocar religião, ou outro motivo que não o real, no meio. Agora eu fazia parte deles. Pior ainda, estava ali agora justamente por causa de seus jogos. Jogos pelo poder, como se eles já não tivessem o suficiente.

Eu ainda não acreditava que estava na frente do castelo. As repercussões finalmente se tornaram reais, ultrapassaram a abstração da minha mente.

Levantei-me da carroça e sai, sem conseguir tirar os olhos da imponência a minha frente. Eu era tão pequena.

Balancei a cabeça, tentando me distrair daquela visão que parecia capaz de me engolir a qualquer momento, e me virei para pegar P.G., antes ao meu lado no banco do veículo.

- Chegamos, lindo! – aninhei-o no colo e ondulei suas gorduras em vários ângulos. Ele respondeu com "oinc"s animados que me fizeram rir – Pelo menos agora teremos um pouco de paz... – lágrimas encheram meus olhos no mesmo momento. Paz era não ter mamãe. Paz era não ter Ceci. Paz era não ter Alexia e Courtney. Paz.

- Dona Febe? – ouvi uma voz macia atrás de mim. Estaquei. Devolvi P.G. ao assento de madeira e virei-me com hesitação.

- Sim?

A garota fez uma mesura, a qual eu retribui.

- Muito prazer, sou Margaret Bernardos, procedente de uma família nobre de Berinon, venho com o intuito de ajudá-la em sua recepção e mostrar-lhe seu quarto.

Enruguei minha testa com tanta formalidade, mesmo não o querendo ter feito.

- Agradeço muito pela gentileza, senhorita Margaret – dei um sorriso tentando consertar minha reação, mas ele saiu meio torto. Por que você tem que estragar tudo, Febe? A menina só quer te ajudar!

- Não há de quê, Dona Febe – ela sorriu, mostrando as mais belas covinhas que já vi na vida. Ela era tão bonita, sua pele e suas mechas pareciam com como dizem que a neve era, branca e suave. Os olhos pareciam um poço, escuros e eternos.

Sua voz terna sobrevoava minha cabeça. Dona... Dona Febe. Eu não era dona de nada.

Ficamos um tempo em silêncio. Era quase evidente no seu olhar que ela queria perguntar alguma coisa, porém não sabia como o fazer.

De repente, como que querendo quebrar aquela ausência de som, um barulhão de madeira rangendo se fez ouvir atrás de mim. Porém o que mais me assustou foi o grito e o pulo dados por Margaret, quase jurei que ela daria uma cambalhota. Era P.G., claro.

Eu tentei evitar, mas soltei uma alta gargalhada, enquanto me girava em direção à carroça para pegá-lo. Ele tinha saltado para o chão dela.

- Você não tem noção mesmo, não é, menino? – o acariciei.

- Vo-vo-cê tem um porco?

- Ahn... Tenho sim. Senhorita Margaret, esse é P.G.. P.G., essa é senhorita Margaret.

O porquinho malhado respondeu com um "oinc", ajeitando-se no meu colo.

- Ele é adorável, Dona Febe! - seu rosto estava com um sorriso abestalhado e não pude deixar de pensar o quão ela também era.

Parecendo mais à vontade, ela prosseguiu:

- Dona Febe, desculpe-me, mas será que poderia me dar licença para eu ajudá-la a retirar sua bagagem?

- É claro! – corei levemente com a minha falta de noção.

Ela olhou a parte de trás do veículo, onde havia dois baús, um sendo o dobro do outro, e suprimentos para a viagem.

- Não, não! – gritei quando percebi que a coitada estava tendo um baita esforço para tirar o baú maior – Este é o de Cassius, senhorita Margaret.

- Ahhh! Graças ao bom senhor!

Eu ri ao perceber o que ela tinha acabado de dizer. Foi a vez dela de ruborizar.

- Desculpe-me, Dona Febe.

- Não. Problema nenhum. Sinta-se à vontade – dei um sorriso, ao qual ela correspondeu – Nunca te deixaria levar sozinha um baú daquele tamanho – seu sorriso aumentou e lembrei de acrescentar de última hora –..., senhorita Margaret.

Foi a vez dela de rir.

- Dona Febe? – chamou Cassius, ainda sentado na parte de frente da carroça, fui até ele – Já retirou sua bagagem?

- Já sim – sacudi minha cabeleira loira, incomodada por ele resolver agora também me intitular de "Dona"; "senhorita" estava melhor.

- Vou à cidade resolver algumas coisas, fique bem – ele arqueou os lábios e completou –, Febe.

- Obrigada – retribui seu gesto – Fique bem também, senhor Cassius. Foi muito bom viajar com você.

- Sempre que precisar – balançou a cabeça – Também foi muito bom viajar com você.

E, dizendo isso, agitou sutilmente a fita do cavalo e trotou para longe. Os relinchos do bicho incomodaram um pouco P.G., mas o porquinho logo se aquietou no meu colo.

Encarei Margaret que parecia questionar: "Vamos?". Fui até ela e encarei o castelo mais uma vez, um gigante sobre mim. Enquanto isso, a moça já subia as escadas para entrar.

- Ei, senhorita Margaret – a mirei e recebi seu fitar curioso do segundo degrau – Se fosse possível, já que só estamos nós duas aqui, preferia que me chamasse apenas de "Febe", ... Ou "senhorita Febe".

Ela pareceu achar a situação divertida e contraiu os lábios, aparentando pensar.

- Tudo bem... Então chame-me apenas de "Margaret" - sorriu.

- Vai ser um prazer - retribui o sorriso, era um alívio poder chamar alguém de um jeito normal! Ela gargalhou, uma gargalhada que lembrava uma cascata de coisas boas.

Mesmo assim, ao acompanhar seus passos, não pude deixar de sentir que o cinza daquela construção me engoliria a qualquer momento.

Nuvens são Alexandritas - Metamorfose Bicolor [EM PAUSA]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora