Capítulo 4: O Baile dos Taylor

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Acontece que aquilo tudo só me dava mais vontade de enfrentar o que me era imposto, deixei com que minhas irmãs fossem levadas de mim, deixei que meu pai maltratasse minha mãe por anos, deixei que fizessem da minha vida um inferno no orfanato. Eu queria mais. Queria ter o controle do meu destino, dos meus pensamentos e da minha felicidade. Enquanto varria aqueles cacos de vidro tomei uma decisão, faria tudo o que fosse preciso para me sentir completa outra vez. Isabelle entenderia no final.

Tudo estava indo perfeitamente bem. A festa estava lotada, todos dançavam ao som da música ou conversavam animados, o jantar estava pronto para ser servido, parecia realmente uma noite perfeita.
Fiquei alguns minutos espiando tudo escondida atrás de um dos arcos de entrada, podia ver o Senhor e a Senhora Taylor usando uma máscara dourada combinando, ela vestia um elegante vestido vermelho escuro com brilhos e uma saia bufante que a fazia se destacar das demais. Segurava uma taça de vinho pela metade, sua risada devia ser em grande parte pelo efeito do álcool. Ela conversava com Charlotte cochichando em seu ouvido e compartilhando segredos. Eu sabia que nunca seria uma delas, mas quem sabe se eu pudesse dar um jeito de apenas por alguns segundos me misturar na multidão sem que ninguém me reconhecesse.
Meus olhos fitavam o ambiente hipnotizados enquanto casais dançavam, meu cérebro buscava alguma ideia brilhante no fundo da minha mente. Charles estava sozinho no canto esquerdo, entre os castiçais e os arranjos de flores, também parecia hipnotizado pelos casais que dançavam em harmonia.
Era a minha chance, pensei na mesma hora. Isabelle surtaria se me visse, então precisava me esgueirar dela também. Abri um sorriso enquanto o plano se formava automaticamente em meus pensamentos. Era um baile de máscaras, como não havia pensado nisso antes? Sem meu uniforme e com algo que cobrisse meu rosto ninguém iria me reconhecer. Podia tirar alguns minutos para dançar, conversar e quem sabe até tomar um vinho como se eu fosse alguém importante. Era perfeito.
Olhei ao meu redor para ver se alguém tinha deixado cair ou esquecido uma máscara por aí, mas não havia nada. Meu coração acelerava por causa da adrenalina e da ansiedade, meu plano precisava dar certo. Tentei pensar por alguns segundos, eu não tinha muito tempo, logo o jantar seria servido e todos iriam se sentar em seus devidos lugares.
— Grace! — murmurei para mim mesma ao me lembrar que ela mantinha sua caixa de costura no fundo da despensa. Devia ter algo que eu pudesse usar, precisava ter. Corri atrapalhada pelas salas, esbarrando em alguns funcionários que passavam em direção ao salão. Respirei fundo antes de entrar na cozinha, não podia parecer eufórica ou sequer deixar transparecer que estava armando algo.
Caminhei tranquila até a porta da despensa e puxei discretamente a caixa de Grace, conseguia ouvir o barulho que vinha do fogão de panelas batendo uma contra as outras e a faca que batia em ritmo contra a tábua de madeira, todos pareciam muito ocupados. Levantei alguns tecidos que havia por cima e tirei algumas coleções de botões e linhas de todas as cores do caminho. Foi quando avistei bem no fundo um formato familiar. Uma máscara branca com detalhes dourados que cobriria meus olhos e meu nariz perfeitamente.
Sorri imediatamente enquanto arrumava tudo no lugar para que ninguém percebesse a bagunça que eu havia feito. Só precisaria dar um pequeno jeito no uniforme, não devia ser difícil.
Saí pela porta dos fundos tentando passar o mais despercebida possível, dei a volta na casa pelo jardim enquanto desamarrava meu avental e soltava o lenço de meu pescoço. O vestido que havia embaixo era bonito, se eu dobrasse as mangas de maneira correta ninguém perceberia que era um uniforme sem graça. Joguei o que não ia usar atrás de um arbusto de rosas brancas e respirei aliviada, tudo havia dado certo até aquele momento.
Não estava fazendo nada de errado, fechei os olhos e repeti mentalmente algumas vezes, iria passar no máximo quinze minutos no salão e então voltaria para a minha vida comum. Dançaria ao som da música alegre, tomaria uma taça de vinho, quem sabe até conseguisse escutar uma conversa interessante. E só. Desamarrei a touca e ajeitei meu cabelo o máximo que pude, estava pronta.
— O que acha que está fazendo? — meu coração quase saiu pela boca.
— Belle, eu... — ela me interrompeu.
— Você é completamente maluca? Achei que tinha me escutado, você me prometeu! — As palavras saíam com pressa de sua boca e eu fazia meu máximo para acompanhá-la.
— Eu prometi porque achei que não houvesse nada que eu pudesse fazer, mas então tive uma ideia que não consegui ignorar, eu não podia ficar sem fazer absolutamente nada!
— Eu preciso de você! Tenho um compromisso urgente e precisava que alguém ficasse no meu lugar. — Sua expressão era séria, seus lábios estavam tensos e sua mão agitada.
— Vamos fazer assim, eu vou lá dentro por quinze minutos e então fico no seu lugar o resto da noite. Ninguém vai me ver, ninguém vai me reconhecer, não irá sobrar para você eu juro. — falei, torcendo para que ela concordasse . Isabelle ficou alguns segundos sem falar nada enquanto um vento gelado passava entre nós duas.
— Tudo bem, mas não me arraste para a forca com você quando te descobrirem está me entendendo? — Falou em um tom sério enquanto eu deixava um beijo em sua bochecha e corria para a entrada, coloquei a máscara no rosto e então senti como se pudesse finalmente respirar. Eu podia ser quem eu quisesse.

O salão tinha um clima totalmente diferente visto daquele ângulo, as flores tinham as cores mais vivas, os candelabros pareciam maiores, e a decoração ainda mais bonita. Sentia os olhos em cima de mim enquanto passeava entre as pessoas, mas sabia bem que devia ser coisa da minha cabeça, todos estavam alterados por conta do vinho e distraídos demais em suas próprias conversas e conflitos.
Peguei uma taça de vinho branco e bebi um longo gole, senti o líquido descer queimando a minha garganta em uma sensação que era tão estranha quanto animadora. — A Senhorita gostaria de dançar? — Um velho que devia ser dono de metade das terras de Dover estendeu a mão para mim, mas recusei delicadamente o convite. — Tem certeza? Acho que daríamos um bom par.
— Certamente, mas não estou com vontade, muito obrigada. — Sorri e o agradeci com um leve aceno de cabeça, porém, quando virei de costas para continuar minha aventura algo agarrou meu braço com força.
— A Senhorita sabe com quem está falando? — Falou em meu ouvido, podia sentir em seu halito que estava bêbado, com a outra mão me puxou para perto de seu corpo e imediatamente achei que estivesse sendo castigada por Deus. Um temor subiu pela minha espinha em forma de arrepio enquanto tentava inutilmente me soltar.
— Me deixe em paz! — Exclamei assustada.
— Você é bastante insolente para uma mulher tão jovem, sabia? — Ele disse um pouco mais alto dessa vez, chamando atenção de algumas pessoas a nossa volta. Era tudo o que eu não queria. Devia passar despercebida, no máximo dançar uma música e voltar para a minha posição. Mas o plano não estava saindo conforme eu havia imaginado.
— Algum problema Senhor Jenkins? — Uma voz familiar surgiu ao meu lado e imediatamente soube que era Charles. Meu coração disparou ainda mais rápido, talvez eu fosse cair dura ali mesmo e bater as botas. — A Senhorita está bem?
— Não Charles, está tudo bem por aqui. — O velho respondeu, como se não tivesse feito nada e me soltou imediatamente, podia notar o receito na sua voz tremula e embriagada.
— Está tudo bem Senhor Taylor, obrigada. — Sorri gentilmente, tentando mudar minha voz um pouco para que ele não acabasse com o meu disfarce.
— Bem, acho que a senhorita me deve uma dança. — Ele falou baixo perto de meu ouvido, quase como um sussurro, com o mesmo sorriso divertido que havia me dado alguns dias atrás. — Se não se importar, é claro. — Charles estendeu a mão em minha direção, eu não sabia bem como recusar então acabei aceitando.
Nos dirigimos até a pista de dança em silêncio, tentei manter a cabeça baixa e falar o menos possível para que nada saísse errado. Ele colocou delicadamente a mão em minha cintura e eu apoiei a minha em seu ombro, gostaria que alguém viesse e me beliscasse para que eu soubesse que não estava sonhando.
— Acho que já nos vimos antes — ele falou de repente — seu sorriso me é familiar.
— Sim, provavelmente. — Respondi, enquanto ele me rodopiava e me fazia voltar para os seus braços. Por mais que tentasse eu não conseguia tirar a expressão de entusiasmo de meu rosto.
— Como é mesmo seu nome? — ele perguntou enquanto me encarava diretamente nos olhos, abaixei a cabeça imediatamente e contive um sorriso.
— Não se lembra? Que vergonha Sr. Taylor! — Respondi divertida, o fazendo começar a rir.
— Me desculpe Senhorita, mas existem muitas coisas na minha cabeça neste momento, acabo me confundindo. — Charles me girou novamente, quando voltamos para a posição inicial não consegui me conter e o encarei por alguns segundos. Seus olhos eram de um tom diferente de azul, um pouco mais escuro que o normal, me lembrava o fundo de um lago quando a luz do sol batia diretamente contra a água. Abri um sorriso espontaneamente, e foi quando sua expressão mudou. — Espere, eu sei quem você é!

Amor e Outras GuerrasWhere stories live. Discover now